Bolsonaro. Crédito: Pablo Jacob/Agência O Globo
Editorial

Editorial: Copa América no Brasil é uma lavagem esportiva mal sucedida

O brasileiro aceitou perder o pão, a saúde e a liberdade. Mas não aceita perder o circo. Em uma prática de lavagem esportiva, o governo brasileiro clama por popularidade em meio ao caos. Além de caça-níquel, a Copa América no Brasil é um projeto político.


No dia 13 de junho (próximo domingo), começa – a princípio – a Copa América 2020. Marcada inicialmente para a Colômbia, ela não será mais realizada no país. Diante de protestos, o governo local decidiu desistir da competição. Sobrou então para a Argentina, que sem protestos, também desistiu da competição. Dessa vez, por causa da pandemia do novo coronavírus.

Coube a Conmebol, responsável pela Copa América, procurar uma nova sede para os jogos. Pensaram em Estados Unidos e até Israel. Todavia, diante de protestos e uma possível terceira onda da COVID-19 (alertada pelo próprio Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga), o governo brasileiro se ofereceu para sediar a competição. Sem nenhuma responsabilidade. Tanto com a Copa América, quanto pelo próprio país.

Todo esse esforço por uma competição que acontece praticamente todo ano e de que nada vale nem esportivamente, nem financeiramente. Uma verdadeira competição caça-níquel. Para realiza-la, a Conmebol gastará R$ 637 milhões. Valores que, obviamente, esperam um retorno maior. Já os gastos públicos do Brasil, ainda não foram divulgados.

Entretanto, pouco importam os gastos públicos quando, na verdade, o governo utiliza a competição para se promover. Em outras matérias publicadas pela PressFut (clique aqui para ler), já explicamos sobre a prática de sportwashing, traduzida como “lavagem esportiva”. Essa prática acontece quando políticos querem mais popularidade, e utilizam o esporte, movido pela paixão dos torcedores, para conquistá-los.

Foi assim com Mussolini na Itália, e com diversos times da Premier League comprados por príncipes movidos a corrupção. Ou seja, se não vale nada para as seleções, para o governo brasileiro vale muito. Acuado e despreparado, Bolsonaro tenta suas últimas cartadas. Por isso, o agradecimento da Conmebol ao nosso presidente.

Entretanto, Bolsonaro não poderia esperar que algo quase inédito aconteceria. Faltando uma semana para o início dos jogos, Bolsonaro, Conmebol e o então presidente da CBF, Rogério Caboclo, se reuniram. Por vídeo conferência, eles convidaram todos os capitães das dez seleções do torneio para participaram da reunião. Todos os capitães recusaram o convite.

Pela primeira vez em muito tempo, os jogadores decidiram que não querem ser usados como palanque político. Movimento que começou com alguns jogadores do Uruguai: Arrascaeta, Viña e Suárez. Depois, foi a vez do técnico argentino, Lionel Scaloni, posicionar-se contra a realização da Copa América no Brasil. Segundo ele, a situação do Brasil é alarmante, sendo inclusive, pior que a Argentina, que desistiu de sediar a competição.

Enfim, chegou a vez da Seleção Brasileira. Entretanto, vale destacar que ainda não houve um manifesto público. Segundo Tite e os atletas, eles se explicarão depois do próximo jogo pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Ao que tudo indica, lançarão um manifesto único, com a opinião em conjunto de toda a delegação.

Enquanto isso, o clima nos bastidores é de colisão. Para Bolsonaro alçar seu projeto político, foi preciso alguém que acatasse suas ordens: Rogério Caboclo. Segundo apuração do Correio Braziliense e do jornalista André Rizek do grupo Globo, o então presidente da CBF prometeu cumprir um pedido de Bolsonaro: trocar Tite por um técnico alinhado ao governo federal. O escolhido, foi Renato Gaúcho, consultor do presidente da república no debate sobre a volta dos jogos em 2020.

Para o orgulho de saudosistas que apoiam a ditadura militar brasileira, voltamos no tempo. A mesma coisa aconteceu entre 1969 e 1970, quando o ditador Médici demitiu o técnico João Saldanha antes da Copa do Mundo, e colocou Zagallo em seu lugar. Contudo, se o Brasil regride, o mundo evolui. Desde os anos 2000, a FIFA, entidade máxima do futebol, proíbe que governos se intrometam em seleções de futebol.

Os artigos 14 e 19 do Estatuto da FIFA dizem: “No trato com instituições governamentais, organizações nacionais, e internacionais, associações e agrupamentos, pessoas vinculadas por este Código devem, além de observar as regras básicas do art., permanecer politicamente neutro, de acordo com os princípios e objetivos da FIFA”. Entre as possíveis punições, está o banimento do Brasil da Copa do Mundo. Pela primeira vez na história, nossa seleção corre o risco de não disputar o mundial. Recentemente, Nigéria, Espanha e Chile correram o mesmo risco. Todavia, voltaram atrás para poderem disputar a copa.

Mas como se não bastasse todo esse envolvimento político de Rogério Caboclo, presidente da CBF, ele também foi acusado de assédio sexual e moral por uma funcionária da CBF. Em áudios divulgados pelo Fantástico, programa de TV da Rede Globo, a funcionária prova o assédio do dirigente, que foi afastado por 30 dias do cargo. Em seu lugar, entrou Coronel Nunes. O comandante militar é o mesmo vice-presidente que assumiu a confederação em 2016, quando Marco Polo Del Nero, investigado por corrupção, abriu mão do cargo.

Portanto, se já não tínhamos nenhum compromisso com a Copa América, continuamos sem ter faltando seis dias para a competição. Caso aconteça, certamente cobriremos. Mas jamais apoiaremos. Como diz a Anistia Internacional, precisamos sempre alertar que isso se trata de sportswashing (lavagem esportiva).

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