O consumo de álcool no futebol e a relação com a violência no espetáculo
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O consumo de álcool no futebol e a relação com a violência no espetáculo

Daniel Dutra
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Principal fator em quase 6% das doenças do mundo (OMS), o consumo de álcool é um tema delicado de se tratar no esporte. Inclusive, quando falamos de futebol, precisamos integrar: lazer, saúde e segurança pública.


O futebol como esporte de alto rendimento requer muito equilíbrio psicológico por parte dos atletas, que tendem a achar nas bebidas, uma saída para seus problemas. Quando a pressão por rendimento, comportamento e rotina regrada são formas de sustentar questões como: exposição na mídia e principalmente o sustento da família, os jogadores acabam procurando uma forma de aliviar essa pressão. As vezes, acabam partindo para drogas ilícitas ou lidam com a depressão, como já citado em outras matérias (clique aqui para ler). Todavia, as vezes o problema pode vir de algo considerado normal no nosso dia a dia.

Não é preciso nem fazer muito esforço para lembrar de jogadores que se perderam no álcool. Garrincha, Sócrates e Cicinho são alguns dos jogadores que tiveram problemas com o alcoolismo. Garrincha e Sócrates morreram por problemas causados pela bebida. Já Cicinho, reconheceu a dependência e expôs como forma de ajudar outras pessoas. Obviamente, o alcoolismo por parte desses atletas não é uma tendência majoritária, por mais que ascenda alguns alertas.

“Para meu filho, a bebida é uma fuga. Se não está feliz, acaba extrapolando”. – Mãe do Adriano Imperador, em 2010.

Entretanto, quando bebidas alcoólicas entram no assunto futebol, é preciso levar em consideração todo o ambiente esportivo. Do atleta ao torcedor. E é esse ponto – talvez o mais polêmico – que vamos tratar: o consumo de álcool no futebol e a relação com a violência no espetáculo. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que o álcool não é o culpado pela violência nos estádios e nos ambientes que transmitem os jogos, contudo, há uma influência constatada em estudos para tal fenômeno.

O consumo de álcool contra a frustração

Consumo de álcool no Brasil. Fonte: OMS
Consumo de álcool no Brasil. Fonte: OMS

Assim como os atletas, o torcedor também pode ver na bebida, uma saída. Isso porque, o esporte que entendemos como lazer e diversão, também mexe com o nosso emocional a ponto de se tornar uma grande frustração e, consequentemente, motivo para beber mais. Sabemos o que acontece com o corpo humano ao ficarmos embriagados: nossos neurônios ficam alterados e não funcionam adequadamente. Com isso, problemas com o equilíbrio, os movimentos, a visão, a audição e o tato acabam acontecendo.

Até os fatos citados, não há grandes problemas do viés do espetáculo. Existe sim, a preocupação com o alcoolismo, mas ainda não no âmbito esportivo. A preocupação das autoridades começa a partir do momento em que o consumo de álcool se torna um catalisador da violência nas torcidas. Entre 2009 e 2012, o Brasil alcançou o primeiro lugar no ranking de mortes de torcedores, comprovadas por inquérito policial. Esse fato acarretou em fortes discussões durante o período da Copa do Mundo no Brasil, inclusive, com o consumo de cerveja sendo proibido em estádios e entornos de estádios de São Paulo, por exemplo.

Ainda assim, até mesmo as leis não conseguem ser eficazes, pois não são nem bem pensadas. A lei 10.671 (BRASIL, 2003), “Estatuto do Torcedor”, é divulgada como a responsável pela proibição da bebida alcoólica nos estádios. Acontece, que o documento não faz referência direta a bebida alcoólica. O art. 13-A, parágrafo II do Capítulo IV diz:

“não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência”.

Bebidas são responsáveis por brigas de torcida?

Certamente, seria reducionismo demais resumir a violência no futebol, ao consumo de bebidas. Por isso, Dunning (2011 apud Reis, 2012) acredita que não há essa relação direta, mas admite que a bebida alcoólica é, sem dúvida, um dos fatores da violência. Já Murad (2017), concluiu através de resultados, que a facilidade do relaxamento desse consumo, junto com o universo de torcedores organizados, formou uma conexão explosiva com práticas de violência. Isso, focando no contexto brasileiro, se acentua ainda mais, a partir do momento em que existe toda uma naturalização da violência no dia a dia. Seja no trânsito, em eventos ou até mesmo dentro de casa. Somado a isso, não podemos esquecer do caos que é a segurança pública do Brasil, praticamente inexistente.

Quando não há controle da segurança pública, as brigas se expandem para fora do estádio, sendo marcadas inclusive, pela internet. Permitindo ainda, a participação de facções criminosas dentro do contexto esportivo. Existem polícias específicas para atuarem nos estádios, mas infelizmente, o treinamento nem sempre é suficiente e o espaço de controle destinados a ela, as vezes também não é suficiente. Em 2019 por exemplo, a partida entre Botafogo e Flamengo pelo campeonato brasileiro, precisou ser escoltada pelo exército, pois é um clássico que sempre gera mortes por todo o estado do Rio de Janeiro, e não somente no entorno do estádio.

Portanto, o álcool não é um responsável direto por isso, mas ainda assim participa com requintes de crueldade. Citando mais uma vez o clássico carioca, um torcedor do Botafogo foi morto por um torcedor do Flamengo, com um espetinho de churrasco na frente do estádio. Esse nível de frieza, que as vezes parece um nível de psicopatia, é facilmente gerado pela bebida em pessoas comuns, mas principalmente em alcoólicos. Como sabemos, o etanol reduz a autocrítica e o autocontrole. Quando falamos de alcoolismo, devemos tratar não só como saúde pública, como também, um problema de segurança pública.

A proibição de bebidas nos estádios

Justamente por não ter uma relação clara entre álcool e violência nos estádios e áreas adjacentes, a “Lei Geral da Copa” liberou o consumo no final de 2015 na maioria dos estados brasileiros. A justificativa exata, foi a de que não havia estudos que comprovassem essa relação. Entretanto, isso gera outras discussões por conta de pressões políticas e empresarias, pois há sim, estudos constatando ligações causais: (MURAD, 2017; REIS, 2006, 2012; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2016; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO ESTUDO DO ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS, 2018; ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2018).

Essa liberação usou, na verdade, de uma brecha na lei, que interpretou como ligação direta, e não causal. A violência no futebol parte de diversos fatores, entre eles, o consumo de álcool. Mas de fato, a proibição do consumo talvez não seja a melhor solução, ainda que as estatísticas de segurança mostrem que as ocorrências diminuíram durante a proibição de cerveja nos estádios.

Artigo da UFRGS compara ocorrências em jogos com e sem proibição de bebidas alcoólicas. Fonte: Comando Geral do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.
Artigo da UFRGS compara ocorrências em jogos com e sem proibição de bebidas alcoólicas. Fonte: Comando Geral do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.

No artigo da UFRGS, que usamos como base para essa matéria, foram analisados dados de outros dois estados, disponíveis em: ResearchGate. Em todas as situações, foi constatado redução nos indicies de violência. Segundo o comandante geral do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais: “Não foram só os números de atendimento que diminuíram, mas também a gravidade dos quadros apresentados de depredação, agressividade e violência”. Como dito anteriormente, nem sempre uma briga ou morte bárbara é causada por um psicopata, mas sim por uma pessoal normal que teve a violência potencializada pelo uso de álcool.

Valentia pós-consumo

O consumo de álcool é um dos agentes da violência no espetáculo. Crédito: FramePhoto/Folhapress
O consumo de álcool é um dos agentes da violência no espetáculo. Crédito: FramePhoto/Folhapress

Nesse mesmo artigo, foram feitas algumas entrevistas com torcedores de organizadas. Logo na primeira entrevista, o torcedor admite que os membros da organizada usam bebida para criarem coragem de brigar. 67% dos entrevistados, afirmaram  que o álcool, a maconha e a cocaína funcionam como o combustível que encoraja eles para a “guerra” com outras organizadas. Da mesma forma – segundo eles – que os rivais também fazem.

“…Eles bebem pra isso (brigar), não só bebem como se drogam. O cara chega lá de cara limpa e manso (risos), quando termina a concentração já virou um leão. O pessoal bebe bem, mas a grande maioria desses torcedores mistura com droga mesmo: maconha, cocaína e crack. A gente se encontra antes de ir para o jogo em alguns pontos, às vezes até em bares mesmo aí começa. O clube que se foda, não tô nem aí, minha relação é com a torcida, vou lá para defender a torcida.”

Por isso, vale ressaltar, que a proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios e nos arredores não inibe as brigas, pois como citado pelo torcedor, existem outros pontos de encontro. Todavia, a proibição fazia sentido levando em consideração que, esses torcedores mais briguentos, segundo (MURAD, 2017), correspondem a apenas 5% do total de integrantes das mais de 700 torcidas espalhadas pelo Brasil. Também por isso, houve redução da violência durante a proibição.

As leis vigentes não funcionam

Mesmo com o consumo de bebidas no entorno do Maracanã sendo proibido por lei em 1998, não há fiscalização que possa impedir esse comércio. O que novamente, abre brechas para a corrupção e a conivência, como afirma um torcedor de organizada: “com a polícia e a justiça, dá em nada”. Seja por corrupção ou simplesmente falta de controle, a polícia realmente não pode fazer muita coisa. É extremamente difícil achar soluções para os problemas de segurança pública no futebol, quando isso é na verdade, um problema estrutural do país.

Não há dúvidas que o álcool é um dos grandes agentes desencadeadores da violência, mas nem de longe, é o responsável direto. Contudo, a presença de grupos que vão para beber e arrumar confusão, afasta a maioria da torcida dos estádios. Nos estudos, foi constatado que, além da queda da violência com a proibição da cerveja, o público no estádio aumentou. Ainda que outros fatores como desempenho dos times possam ter contribuído para essa crescente.

Portanto, tratando-se de um tema muito dúbio, precisamos definir algumas coisas: o consumo nunca foi proibido de fato, pois há brechas nas leis. Visto isso, também precisamos de constantes atualizações nos estudos, pois mesmo com eles, não é possível afirmar relações exatas. Existem diversas variáveis que podem ser alteradas em diferentes lugares. Proibir, simplesmente, o consumo, não inibe atos, ainda que diminua. Existem diferentes fatores, que precisam ser acompanhados e discutidos tanto pelo âmbito do lazer, da saúde pública, e no caso, principalmente, da segurança pública.

Clique aqui para acessar o artigo da UFRGS feito por: Thaigo Brandão, Mauricio Murad, Rachel Belmont e Roberto Ferreira dos Santos.

Daniel Dutra

Jornalista em formação e apaixonado por esportes. Juntei essas duas paixões para produzir conteúdo e valorizar a comunicação criando um portal para levar informação e gerar oportunidades.
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