Ruddy Lilian Thuram-Ulien. Crédito L’Equipe
Futebol, Futebol Internacional

Lilian Thuram: da recusa ao time fascista até as críticas ao Rei Pelé

Destaque da Copa do Mundo de 1998, Lilian Thuram foi bem mais do que um multijogador. Foi sim, um grande defensor e campeão por onde passou, mas acima de tudo, ganhou o reconhecimento como grande ser humano.


Em 1981, uma criança chamada Ruddy Lilian Thuram-Ulien deixava Guadalupe, onde jogava bola nas ruas, para morar com sua mãe no subúrbio de Paris. A mudança para a França certamente mexeria com a cabeça do menino de 9 anos, que logo cedo, sentiu grande diferença entre seu país natal, e um país com histórico de colonizador africano. Foi por conta de um desenho animado, que Lilian percebeu pela primeira vez, o racismo.

“Na televisão, havia um desenho animado que tinha duas vacas. Uma era negra, muito estúpida. A outra, branca e muito inteligente. Meus colegas de escola chamavam-me pelo nome da vaca negra, Noiret (Negrinha). Perguntei à minha mãe: “por que a cor negra tem esta conotação negativa?”, e ela me disse que as pessoas são racistas e que isso nunca iria mudar. Não foi a melhor resposta que tive. – Thuram conta essa história em quase todas as entrevistas.

Alcançando o sucesso por meio do futebol, Lilian Thuram se recusou a cantar o hino francês, seleção por qual jogou. Depois desse caso, ouviu de Jean-Marie Le Pen, político de extrema-direita, que a Seleção Francesa “tinha negros em demasia”. Hoje em dia, não cantar o hino francês virou algo normal para os jogadores da seleção. Segundo Thuram, as condições de sua vida o fizeram de esquerda. E como um bom estudioso no assunto, levou isso para o campo. Em 2001, quando recebeu uma oferta para jogar na Lazio, Thuram foi firme: “Eu não jogo para fascistas!”.

A firmeza de Thuram na luta contra o racismo

Thuram participou de debate sobre discriminação e debateu com Mano Brown o papel de Pelé no combate ao racismo. Público aplaudiu muito a crítica do francês ao tricampeão mundial. Crédito: Alexandre Alliatti
Thuram participou de debate sobre discriminação e debateu com Mano Brown o papel de Pelé no combate ao racismo. Público aplaudiu muito a crítica do francês ao tricampeão mundial. Crédito: Alexandre Alliatti

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Engana-se quem pensa que, mesmo depois de arriscar tanto sua carreira, Thuram não desafiaria mais ninguém após se aposentar. Logo que pendurou as chuteiras, criou a Fondation Lilian Thuram - Éducation Contre le Racisme (Educação Contra o Racismo). Contudo, sua maior crítica viria depois. Em 2016, Thuram veio ao Brasil debater o racismo. Na ocasião, ganhou muitos aplausos dos cariocas mesmo criticando Pelé.

“A partir do momento em que um jogador de futebol é reconhecido, é importante que denuncie o racismo. Por sinal, no meu livro “Minhas estrelas negras”, eu havia pensado no Pelé, mas não falei dele porque acho que ele deveria ter feito muito mais pela sociedade brasileira e pelo mundo. Com a fama que tinha, poderia ter feito muito mais. Vejo, por exemplo, uma pessoa como Muhammad Ali. Penso que quanto mais essas pessoas conscientizarem a sociedade sobre a cor da pele, mais tempo a gente ganha.”

Mas o que diz o menino de Guadalupe, sobre a colonização francesa – país que defendeu em campo – na áfrica? Não seja por isso, pois Thuram escreveu, no próprio site de sua fundação, sobre o assunto. Clique aqui para ler.

Porta-voz antirracista

Além de cobrar Pelé, Thuram também cobra – obviamente – os jogadores brancos. Com um posicionamento social tão firme desde os tempos de atleta, Thuram virou ícone de campanhas da UEFA e se tornou embaixador oficial da UNICEF contra o racismo. Todavia, pós-aposentadoria, Thuram ainda recusou o cargo de “ministro da diversidade” oferecido pelo presidente Nicolas Sarkozy no fim de 2008. Thuram lembrou que o presidente tinha discursos racistas e tratava mal os jovens pobres.

“As pessoas que podem ajudar a mudar essa mentalidade não são vítimas de racismo e discriminação. A questão, portanto, é se jogadores que não são negros, ou de certa religião, ou homossexuais, estão dispostos a agir e tomar posições contra esse problema? Por exemplo, se um jogador de futebol branco saísse do gramado quando um ato racista fosse feito contra um negro, as coisas se resolveriam mais rapidamente. Porque futebol é um negócio, e as pessoas buscam soluções muito rápidas nessas situações.”

Portanto, a partir desse roteiro raro no meio do futebol, Thuram ajuda novos jovens que sonham como um dia ele sonhou. Além de sua fundação, ele escreveu 13 livros com cunhos sobre o racismo. Minhas Estrelas Negras, um de seus livros, foi traduzido para o português. Diante de uma causa tão importante, de fato, ele é um porta-voz antirracista. Que sua luta não seja em vão!

Daniel Dutra

Jornalista e fundador da PressFut. Também atua no SBT e na Rádio Tupi.
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