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Direitos elementares estão sendo abafados num mar de inconstitucionalidade. Quando – especialmente no Brasil – um atleta é punido e/ou abandonado por seu posicionamento social, a democracia é enfraquecida.
Esse artigo seria intitulado de “O marketing como “cale-se” do posicionamento social” por conta de declarações recentes que já haviam sido constatadas em outras oportunidades e citadas em entrevista com o jornalista Breiller Pires aqui na PressFut. Contudo, outros acontecimentos que fogem inclusive do futebol, mas não do esporte, fizeram com que eu mudasse a ideia inicial para escrever um pouco mais sobre incongruências no cerne da liberdade de expressão. Por isso, o título agora é: “O contrato profissional como “cale-se” do posicionamento social”.
Carol Solberg, atleta do vôlei de praia da seleção brasileira, aproveitou o momento da entrevista ao vivo na TV, para gritar “Fora Bolsonaro!”. Entretanto, a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) – que deveria protegê-la -, repudiou a fala contra o presidente da república, e disse que Carol “denegriu” – sim, usando termo racista – a imagem do esporte por se expressar. Com isso, a atleta deverá ser julgada e corre o risco de ser punida.
Todavia, em primeiro lugar, devemos lembrar que: o artigo 5, inciso IX, da Constituição Federal garante a todo brasileiro o direito sagrado de livre manifestação. Em segundo lugar, entrando no âmbito esportivo, o artigo 50 da Carta Olímpica garante ao atleta o direito de livre expressão. O COI (Comitê Olímpico Internacional) autoriza que o atleta pode, livremente, expressar suas opiniões na zona mista e em entrevistas como fez a Carol.
Dois pesos duas medidas
Situações como essa abrem precedentes para a desconfiança. Hoje por exemplo, Paulo Autuori é quase uma voz solitária no futebol brasileiro. A cada entrevista em que ele contesta alguma autoridade, ele é levado à julgamento e algumas vezes punido. Não interessa aqui, dizer para quem foi a crítica ou para quem deixou de ser. O fato é: quando se dirige críticas para autoridades brasileiras, repressões são feitas. Quando se dirige apoio, “tudo bem”.
Com isso, o movimento “Esporte pela Democracia”, repudiou a CBV pelo fato de, além da repressão, haver tratamentos diferentes em situações opostas. Felipe Melo por exemplo, não sofreu nenhuma punição e nem mesmo julgamento por dedicar um gol a Bolsonaro. Tudo certo não sofrer. Indo para o lado da Carol Solberg, em 2018, atletas do vôlei fizeram campanha de apoio ao então candidato Bolsonaro. Novamente, nenhuma repressão. Isso, seria a liberdade de expressão em seu mais livre estado, se no caso ao contrário, quando há críticas, também não houvessem punições. Como desculpa, tentaram inventar a fake news de que a Carol seria patrocinada pelo Banco do Brasil, que na verdade, é patrocinador da Seleção Brasileira. Sabendo que a atleta recebe “bolsa atleta”, ela começou a ser ameaçada por fanáticos políticos.
No programa “O Grande Círculo”, do canal SporTV, Paulo Autuori disse que hoje pode sair do país e ir para onde quiser. Hoje ele tem uma vida estabilizada, e para ele, ou você tem uma vida estabilizada, ou corre o risco de perder tudo ao cobrar os responsáveis.
A repressão explica a falta de posicionamento social de uma geração de atletas?
No dia primeiro de agosto de 2020, publicamos uma entrevista com Breiller Pires que, perguntado sobre o posicionamento dos atletas em questões sociais, disse o seguinte:
“A mercantilização do esporte indiscutivelmente reprime o atleta em emitir posicionamentos sobre questões sociais. Personalidades negras, por exemplo, sabem que podem enfrentar resistência de marcas, patrocinadores e torcedores ao adotar discursos contundentes contra o racismo. Até mesmo pelo que já aconteceu no passado, em que jogadores como o ex-goleiro Aranha e o próprio PC Caju tiveram a carreira prejudicada por causa de suas posições antirracistas.” – Breiller Pires para a PressFut.
Nessa resposta, o jornalista citou o caso do goleira Aranha, que pouco tempo depois dessa entrevista, desabafou ao portal do UOL Esportes. O ex-goleiro disse que foi abandonado pelos clubes, marcas e companheiros após sofrer e se posicionar contra atos de racismo. Nada muito diferente do que o outro citado, PC Caju, também sofreu, como contamos em outra matéria (clique aqui para ler).
“A partir do momento em que eu me posicionei, arrumei muitos inimigos. Quem se posiciona no Brasil vai ser perseguido ou cancelado, como é a moda agora. Ninguém protege o atleta que se posiciona; todo mundo cobra, mas ninguém banca. Ele fica abandonado, como eu fiquei.” – Aranha para a UOL.
Mas e o marketing social?
Por mais que seja um ano atípico, 2020 reforçou alguns aspectos da luta social. A partir dos Estados Unidos, explodiram movimentos como o “Black Lives Matter” (Vidas negras importam). Diferente do Brasil, os americanos tomaram alguma atitude. Nas ruas, cidadãos protestaram, no esporte, a NBA (principal liga de basquete) parou. Para os atletas, pouco importou os patrocinadores. E achando a atitude válida, a liga acatou. No tênis, máscaras em homenagem a vítimas negras foram usadas a cada partida por Naomi Osaka, que impulsionou também, a paralisação do torneio de Tênis de Cincinnati. Não podemos deixar de falar também, do Inglês Lewis Hamilton, talvez um dos maiores atletas em atividade. O piloto da fórmula 1 faz questão de se posicionar socialmente, tanto em função do racismo como em outras áreas. Hamilton já se declarou contra a construção do autódromo na Floresta do Camboatá, no Rio de Janeiro, por exemplo.
Todos esses casos ganharam e ganham visibilidade. O que as vezes é aproveitado por uma técnica de marketing para as marcas. Assim como outras áreas, marcas também precisam validar socialmente seus princípios. O interessante, é que os atletas citados no último parágrafo, tem feito isso melhor do que as próprias marcas. Eles tornaram-se porta-vozes de pessoas que não tem voz. E elas são milhões. Eles promovem o debate social. O que sim, é mais fácil para eles fazerem isso, do que as marcas. Mas novamente, caímos no que disse Paulo Autuori. É preciso ter uma posição estabelecida na sociedade, para poder bater de frente.
O esporte vive um “cálice” estilo Chico Buarque?
Obviamente não. Felizmente, vivemos uma democracia que se fortalece ao passo em que o mundo se desenvolve como um todo. Mas é importante brigar sempre com quem está no poder, e não aceitar ser calado. (LEITÃO, 2015) diz: “O Brasil está insatisfeito com a democracia, desconfia dos políticos e acha que o governo gasta mal o dinheiro que sai do seu bolso. Esse descontentamento fortalece a democracia e não o contrário, e é ele que fará o país continuar aperfeiçoando as instituições.”
Portanto, é necessário se posicionar, ainda que custe caro. Jovens como Igor Julião, Richarlison e Lucas Santos certamente deixam Aranha, Paulo Autuori e Carol Solberg contentes ao se posicionarem tão cedo. Hamilton e Naomi Osaka servem de espelhos para novas gerações. Se tratando do Brasil, a transparência têm caído nos últimos anos, com contratos de patrocínios estatais sendo feitos escondidos mesmo após o presidente dizer que não aceitaria mais isso. A floresta do Camboatá, que desperta indignação em Hamilton, pouco importa para a maioria dos brasileiros, que estão vendo um caso de corrupção e crime ambiental sendo cometido em conjunto por prefeitura e governo do Rio de Janeiro e governo federal.
Enfim, sabemos como a política interfere no esporte. Clubes de futebol são usados como palanque para fortalecimento político. Mas se um atleta perder o direito de mostrar um posicionamento social, atitudes devem ser tomadas contra quem o repreendeu, e não contra quem se manifestou. Se expressar não pode ser uma luta, e sim algo natural, como direito concebido a todos, sem exclusão.