- Psicólogo do Botafogo valoriza mudança na mentalidade do clube e reconhece Artur Jorge e Marlon Freitas como maestros do grupo Head de Psicologia do Botafogo, Paulo Ribeiro cita Artur Jorge e Marlon Freitas como referências na mudança de mentalidade do clube. - 16 de dezembro de 2024
- Botafogo e Vasco se enfrentam em busca dos melhores objetivos no Brasileirão O Estádio Nilton Santos recebe Botafogo e Vasco pela 32ª rodada do Campeonato Brasileiro, nesta terça-feira (05). - 5 de novembro de 2024
- “A torcida do Botafogo que me colocou ali. Nós somos um grande amor!”, diz Fernanda Maia Fernanda Maia é locutora do estádio do Botafogo desde 2019 - 5 de julho de 2024
Força mental, psicológico abalado, mental fraco… Frases repetidas e decoradas que perseguiram o Botafogo ao longo da temporada de 2024. Um fantasma criado a partir da derrota no Campeonato Brasileiro de 2023, mas que em nenhum momento ousou aparecer novamente. Um ano depois, o Botafogo se tornou campeão Brasileiro, e campeão da Taça Libertadores da América. Mandando para trás adversários fortes, e algozes do passado. Feito realizado apenas 4 vezes na história desse esporte: com o Santos de Pelé, em 1962 e 1963, com o histórico Flamengo de Jorge Jesus, em 2019, e agora, com o Botafogo de 2024.
Chefe de Psicologia do Futebol Profissional do Botafogo, Paulo Ribeiro é um dos responsáveis por cuidar do lado mental dos atletas que fizeram história no alvinegro. Em entrevista exclusiva para a PressFut , o profissional que é precursor da psicologia no futebol no Brasil, falou sobre a mudança na mentalidade do clube. Da parte interna, até a parte externa.
“O Botafogo, pelo seu histórico dos últimos anos, deixou muitas pessoas com dúvidas sobre como seria a atuação dele no campeonato, principalmente no campeonato de 2023, a gente não pode deixar de falar disso… O objetivo que eu sempre tive pessoalmente falando no Botafogo e que eu perseguia esse objetivo a todo custo, era criar uma , criar uma outra mentalidade tanto no torcedor , quanto das pessoas que trabalhavam no clube , quanto nos jogadores que a gente tinha… “
Personagem que chegou para mudar a cara do Botafogo, o técnico Artur Jorge foi citado por Paulo Ribeiro como um maestro do grupo. Reconhecimento para quem conseguiu gerenciar cerca de 35 jogadores, de diferentes históricos, em busca dos mesmos objetivos.
“Eu acho que o Artur Jorge foi um grande maestro na condução desse grupo. Gerenciar pessoas é a coisa mais que existe, porque cada um tem uma história diferente, né? Cada um veio de um lugar que ele era familiar e ele chega no difícil outro lugar diferente, encontra outra cultura, outras pessoas que pensam diferente dele e é preciso fazer isso, todo esse ecossistema, vamos chamar assim, conversar.”
Mas um personagem que realmente deu a volta por cima, foi Marlon Freitas, único titular remanescente da equipe de 2023. Na época apontada como um dos responsáveis pela queda de rendimento do tempo, Marlon assumiu a responsabilidade de transferência a barreiras de capitão, e se tornou inspiração para os companheiros. Tendo enfim, o reconhecimento da torcida que um dia o criticou. Volta por cima digna de um roteiro de filme. Mas que Paulo atribuiu como resiliência.
“Eu tenho reputação ao Marlon Freitas , que foi, durante a minha carreira, durante 35 anos de trabalho que não tenho futebol, foi o atleta mais resiliente que já encontrei na vida. E eu tenho reputação a ele, sim, como o cérebro desse equipe, como uma pessoa que pode conduzir brilhantemente qualquer situação adversária que possa acontecer Porque, assim, quando eu falo situação adversária, não necessariamente uma situação ruim, mas algumas até são. seja, o jogo está para além das quatro linhas. Existem situações que só ficaram ali entre nós, né? deixe claro.”
Confira a entrevista na íntegra:
A transmissão da TV registrou uma conversa entre o atacante Igor Jesus e um jogador do São Paulo, pela última rodada do Brasileirão. O atacante do Botafogo desabafou que já jogouia na quarta-feira e viajou ainda no domingo, sem poder comemorar o título do campeonato. Disse ainda que “é muita pressão”. Como a psicologia pode ajudar os atletas a manter essa competitividade com uma rotina exaustiva tanto fisicamente quanto mentalmente?
Vamos lá. Na verdade, os jogadores de futebol, atletas de qualquer outra modalidade esportiva, precisam ter na cabeça uma coisa: a pressão, ela é necessária! Ela está presente em todas as atividades de todos os seres humanos. Uns com maiores níveis de pressão, outros com menores níveis de pressão. Mas ela existe e ela é até necessária para que as pessoas possam se contribuir para frente. Quando é que a pressão é muito ruim? Quando ela vem de uma situação muito negativa. Se você está mal no campeonato, se sua equipe não está bem colocada, o nível de pressão, claro, é muito alto, mas pelo lado negativo de você ter a obrigação de fazer, de sair daquela situação. Mas quando você tem em mãos, ferramentas, quando você para falar, eu digo argumentos, quando você tem a mão um bom nível de situação, de coisa bacana para você viver, a pressão vai ter que se tornar uma aliada sua, porque na realidade você vai ter um nível de ansiedade que é exigido, que ansiedade zero não existe, e ansiedade não é esse bicho de sete cabeças que uma pessoa fala, por aí não, né? Ela é necessária, assim como a pressão também é necessária para mover as pessoas na vida. Então assim, a pressão ela tem sempre dois lados, um quando a pressão é pelo lado ruim, que você está numa situação que não é favorável a você, e outro quando a situação é favorável a você, mas todo mundo sempre vai reclamação da pressão , porque ela existe em qualquer canto, em qualquer atividade profissional. Isso é o que eu imagino.
Ainda nesse tema de pressão, em 2021 a gente fez um trabalho ainda com o Botafogo na Série B, quando a gente foi campeão, baseado muito na filosofia do Doc Rivers , que era o treinador do Celtics . É uma das frases memoráveis que ele trabalhou com seus atletas foi sim, a pressão é necessária. Então assim, quando você consegue entender essa pressão necessária, ela pode ser sua aliada, aí você tem uma outra visão da situação que está acontecendo.
Nos dois títulos conquistados pelo Botafogo, muitos jogadores destacaram a importância do trabalho da equipe de psicólogos do clube. Quais pontos a equipe abordou para que, grande parte do elenco pudesse virar a chave, e entender a importância da psicologia no cotidiano do clube e, consequentemente na conquista dos títulos?
“O objetivo que eu sempre tive falando pessoalmente no Botafogo e que eu perseguia esse objetivo a todo custo, era criar uma identidade , criar uma outra mentalidade tanto no torcedor , quanto das pessoas que trabalhavam no clube , quanto nos jogadores que a gente tinha . “
Essa possibilidade aconteceu quando a gente formou um grupo novo. E esse grupo novo comprou uma ideia porque é necessário que o grupo compre uma ideia. E esse grupo também conseguiu entender muito na função do trabalho de Artur Jorge , de que todos que estavam ali importavam, todos que viviam o processo, desde o funcionário mais simples ao mais graduado. Todos estavam envolvidos na positividade, todos estavam envolvidos na vontade maior de ter um título que para. Fosse de importância para o Botafogo. Então essa mudança de mentalidade, ela acontece desde o início desse ano, quando a gente começou a falar em flow , quando a gente começou a falar no que é necessário para se tornar um grande atleta, quando ainda com o Tiago Nunes foi criado a imagem de um cachorro mais feroz, e esse cachorro foi se aprimorando ao longo do tempo, foram feitos com esse cachorro e com o slogan chamado time forte , ou seja, o que eu quero dizer: a gente foi imprimindo aos poucos na cabeça dos jogadores, torcedores, funcionários e tudo mais, uma A ideia nova de que o Botafogo tinha algumas frases que eram muito peculiares, tipo: “ah, coisas que só acontecem com o Botafogo”, “tinha que ser com o Botafogo”… Então era um raciocínio raso, um raciocínio que meio que tolhia a performance, e quando a gente virou essa chave, foi no momento em que a gente entendeu que se eu mudo a minha mentalidade, eu mudo a minha performance. E isso foi acontecendo ao longo do ano. Volto a dizer, foi um trabalho a muitas mãos, não foi um trabalho da psicologia especificamente, foi um trabalho que contagiou, foi um contágio emocional muito bacana que aconteceu, volto a dizer, do funcionário mais simples ao funcionário mais graduado.
O Botafogo hoje tem um Núcleo de Saúde e Performance dentro do CT Lonier, algo que sempre foi um desejo dos profissionais do clube. Qual a vantagem de integrar a psicologia com outros setores como a fisiologia, enfermagem e demais setores?
Hoje é impossível construir desempenho se você não tiver uma integração nesse departamento de saúde. Antigamente, há algum tempo atrás, eu já tenho isso há 35 anos, você tinha o departamento médico, onde o médico definia tudo o que ia ser feito, e depois você descobriu as coisas que iam acontecer. Hoje não. Hoje, eu respondo pelo Botafogo, claro, a gente tem todos os dias reunião pré-treino e reunião pós-treino. A gente está monitorando constantemente o que está acontecendo com o atleta e as áreas estão trocando as informações. Quando, por exemplo, vou exemplificar aqui. O fisiologista nota que tá num nível de cortisol mais alto numa pesquisa, que ele tenha feito de sangue, e ele chega pra mim: “Paulo, vai lá e dá uma olhada e vê o que pode estar acontecendo. Vamos dar uma pesquisada nisso” . A gente tem hoje, nessas reuniões pré e pós-treino, um questionário de bem-estar, que tem vários itens nesse questionário. E dentro do que compete a psicologia, você tem lá o nível de sono, o nível de estresse. Então, a gente tem notas pra isso. Todos os dias os atletas preenchem esse questionário de bem-estar. Então, a gente tem dados, tem informações e a gente vai trocando essas informações. Pra quê? Pra que o desempenho do atleta seja cada vez melhor. Pra que ele tenha cada vez mais um atendimento, uma ferramenta que possa ajudá-lo a sair de uma dificuldade, por exemplo.
Em um grupo extenso e heterogêneo, como fazer para encontrar o equilíbrio no elenco, fazendo todos ou pelo menos grande parte, caminhar na mesma direção e falar a mesma linguagem, para ajudar o corpo técnico a alcançar os objetivos?
Essa pergunta é sensacional. A gente tem, vamos dizer, 35 cabeças só de jogadores dentro de um grupo, só de jogadores. Então são 35 pessoas que vieram de lugares diferentes, de modos de criação de vida diferentes, de culturas diferentes, com ideias diferentes e fazer isso tudo conversar, tem que ter um maestro para isso aí, um ou mais.
E assim, acho que o Artur Jorge foi um grande maestro na condução desse grupo . Gerenciar pessoas é a coisa mais difícil que existe, porque cada um tem uma história diferente, né? Cada um veio de um lugar que era familiar e chega a outro lugar diferente, encontra outra cultura, outras pessoas que pensam diferente dele e é preciso fazer isso, todo esse ecossistema, vamos chamar assim, conversar. Esse ecossistema precisa funcionar.
Eu acho que o Artur Jorge teve grande participação nisso, mas eu tenho reputação ao Marlon Freitas , que foi, durante a minha carreira, durante 35 anos de trabalho que não tenho futebol, foi o atleta mais resiliente que já encontrei na vida. E eu tenho a reputação de ele, sim, como o cérebro dessa equipe, como a pessoa que pode brilhantemente conduzir qualquer situação adversária que possa acontecer. Porque, assim, quando eu falo situação adversa, não necessariamente uma situação ruim, mas algumas delas até são. É porque as pessoas só veem o espetáculo, né? Ou seja, o jogo está para além das quatro linhas. Existem situações que acontecem que só ficam ali entre nós, né? E o Marlon foi um cara que meio que foi um incidente sobre aquelas situações que aconteceram, e ele meio que conduziu essa orquestra. De maneira triunfal, isso eu preciso deixar claro, então assim, gerenciar pessoas para caminhar na mesma direção e falar a mesma língua não é a tarefa das mais simples, é uma arte.
Muitas equipes brasileiras têm psicólogos em seu elenco, e os têm como imprescindíveis. Outras equipes, já os têm como concorrentes. Dito isso, depois de um hiato de 10 anos, e 2 ciclos da Copa do Mundo, a Seleção Brasileira volta a ter uma psicóloga na comissão. Como você enfrenta essa “polarização” de um elemento tão importante na seleção principal do futebol mundial?
Hoje, na série A do Campeonato Brasileiro, só quatro ou seis equipes, se eu não me engano, não tenho psicólogo na sua comissão técnica. A falta desse profissional não vai fazer o clube deixar de ganhar ou perder jogo. A questão não é essa. A importância da segurança psicológica que precisa ser colocada no primeiro plano. Essa segurança psicológica vem do meio ambiente. Se eu tenho um ambiente que ele proporciona, Acolher que ele proporciona, o sujeito se sentir relativo ao local, onde ele pode colocar suas ideias, saber que não tem julgamento ou pelo menos não tem tanto julgamento dentro daquele grupo, daquele lugar que ele está . Essa segurança psicológica dá a ele saúde mental. O psicólogo do esporte, no caso, ele está atento a esses detalhes e vai meio que monitorando esse ambiente, conversando com o treinador, conversando com o staff, conversando com o preparador físico e vai tentando ajustar algumas situações. Então, assim, acho que a importância é fundamental nesse trabalho conjunto, porém o psicólogo não faz nada sozinho. Hoje, se você não tiver um trabalho conjunto com fisiologista, com médico, com preparador físico, com a fisioterapia, com o servente, com o massagista, ou seja, todas essas pessoas importam nesse ambiente. E eu acho que assim, o psicólogo do esporte está sempre muito atento a essa questão da segurança psicológica. Para você ter uma ideia, no ciclo olímpico de Londres, em 2012, eram 8 psicólogos do esporte para quatro e poucos atletas. No nosso ciclo olímpico aqui no Rio de Janeiro, e no ciclo seguinte. Em Tóquio, já eram 33 psicólogos do esporte para trabalhar com os mesmos 200 e poucos atletas. Então, esse profissional é mais um elo dentro dessa cadeia de pessoas que estão ali para oferecer aos atletas as ferramentas, oferecer aos atletas os melhores momentos possíveis e quando a coisa não vai bem, sim, ajudando na solução de problemas. O foco na solução de problemas é uma das principais características da profissão da psicologia do esporte.
De forma infundada, muitos pautaram o Botafogo, o Campeonato Brasileiro e a Taça Libertadores, como um tempo de “parte mental briga”, mesmo vencendo seus rivais diretos, de forma imponente. Ainda que os elencos de futebol sejam heterogêneos, será possível enumerar alguns fatores que apontam para que um dia tenha uma parte mental forte ou fraca?
O que eu posso falar é pelo Botafogo. O Botafogo, pelo seu histórico dos últimos anos, deixou muitas pessoas com dúvidas sobre como seria a atuação dele no campeonato, principalmente no campeonato de 2023, a gente não pode deixar de falar disso. Mas quando a gente consegue modificar a mentalidade interna e mostrar isso para o externo, para fora, para as pessoas que acompanham o futebol, você observa que essa mentalidade, ela fica meio que contagiante. Isso a gente chama de contágio emocional, que na realidade foi até minha tese de doutorado: contágio emocional em equipes de esportes coletivos. Então esse contágio emocional, ele vai meio que pegando cada pessoa e vai replicando para as outras pessoas. Então, cada vez que tenho mais confiança naquilo que estou observando, naquilo que estou torcendo, vai crescendo a minha expectativa. E quanto maior a expectativa, maior tem que ser o resultado. Então, naturalmente, eu acredito que os atletas, juntamente com o staff do futebol, com o corporativo do clube, com hoje, com toda a profissionalização que tem o Botafogo, contribuíram para mudar essa mentalidade. Esse sempre foi o objetivo que eu persegui. Eu acho que hoje a gente já consegue ter um caminho um pouco melhor nessa relação entre Torcedor e Time, Torcedor e Botafogo.
Veja essa foto no Instagram
Entrevista por Daniel Dutra e Thiago Alves