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Condenações por estupro e outras violências não são casos raros no meio do futebol. Entretanto, as consequências nunca são boas para as próprias vítimas. O futebol como habeas corpus para criminosos é o retrato de que, no Brasil e no futebol, a vítima se torna culpada.
Alguns acontecimentos durante esse mês reabriram os olhos de um ambiente completamente privilegiado. Não que esses acontecimentos tenham ligações diretas, mas tanto a negociação de Dudu com o Al Duhail do Catar, quanto o inédito título do Basaksehir na Turquia, evidenciam que no futebol, ser famoso lhe permite agredir mulheres e estupra-las sem que o criminoso deixe de viver normalmente. Não é algo abrangente para qualquer atleta, mas pelo menos, é o que acontece com jogadores famosos. Os casos citados dizem respeito a dois crimes diferentes, mas complementares quanto ao ambiente protetor do futebol.
Dudu e seus casos de agressão contra mulheres
O primeiro caso citado é teoricamente, “menos pior”. Inclusive, antes de mais nada, é importante ressaltar que a atual acusação não condenou o atacante Dudu, ex-Palmeiras. Entretanto, o objetivo é justamente mostrar como funcionam as coisas por aqui.
Dudu, ídolo palmeirense, foi acusado de agredir Mallu Ohanna, sua esposa, em junho desse ano. Na denúncia, a modelo disse que o jogador a agredia em pontos estratégicos para não deixar vestígios e citou uma briga entre os dois. Nesse caso específico, o vídeo obtido pela polícia não mostrou nenhuma agressão do atacante palmeirense. Consequentemente, exposta a um ambiente hostil, Mallu começou a ser ameaçada de morte por torcedores após o jogador deixar o Palmeiras.
Contudo, é importante lembrar, que essa não foi a primeira vez que Dudu foi denunciado por agressão. Aliás, Dudu já foi condenado anteriormente. Em 2015, o atacante teve que prestar serviços comunitários como pena após agredir a esposa e a sogra em 2013. Nada que uma multa de R$ 12 mil não dispensasse esses serviços. O temperamento de Dudu sempre foi um problema, que rendeu inclusive, uma suspensão de 6 meses por agressão ao árbitro Guilherme Ceretta de Lima, no campeonato paulista. Punição que obviamente não foi cumprida como determinada em primeira instância.
Dessa vez, como o vídeo não provou as agressões, Dudu não foi condenado. Ainda assim, o ídolo que fez juras de amor ao Palmeiras e recusou propostas milionárias, decidiu, justo quando ocorre a denúncia, ir embora do país. Prática recorrente que serve também, para o próximo caso citado.
Robinho: condenado por estupro na Itália
Outro caso que aconteceu em 2013, foi o do atacante Robinho. Quatro anos depois, em 2017, ele foi condenado pelo estupro coletivo de uma jovem albanesa, cometido em uma casa noturna de Milão. Na época, Robinho jogava no Milan e participou do abuso sexual com mais cinco brasileiros. Entretanto, não foi a primeira denúncia de estupro contra o brasileiro. Em 2009, quando jogava no Manchester City, Robinho foi investigado por uma suposta agressão sexual que teria ocorrido em um clube noturno de Leeds. Interrogado pela polícia, foi liberado sob fiança. Depois, a polícia decidiu não dar continuidade ao caso e o jogador não foi a julgamento.
A atitude de Robinho no momento da condenação foi a mesma que Dudu teve agora. Deixou o Atlético Mineiro e foi “jogar” na Turquia. Seu clube, que pertence ao Governo, foi campeão pela primeira vez em 2020. Entretanto, ao contrário do que se espera da maior estrela do time, Robinho sequer era titular. Não marcou nenhum gol e nem deu assistências na brilhante conquista de seu clube.
O Istanbul Basaksehir, com o apoio do Governo Turco, se tornou a proteção de Robinho contra a detenção. Isso ficou muito nítido quando, em setembro de 2019, o jogador não foi relacionado para enfrentar a Roma, na Itália, em uma das partidas mais importantes da história do clube. Caso ele viajasse com a equipe, seria preso ao chegar na Itália, onde foi condenado a nove anos de prisão. A Turquia é para Robinho, um paraíso laranja, onde ele pode se esconder e recusar fazer viagens profissionais que de alguma forma possam fazê-lo correr riscos jurídicos-criminais.
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Não são casos isolados
Episódios de violência contra mulheres – de todas as formas – não são fatos raros. São corriqueiros. Apenas no Brasil, podemos citar infinitos casos. Todavia, ficaríamos eternamente na discussão, pois nada acontece. É tão nítida a falta de consequências, que o técnico Cuca, condenado por estupro na época de jogador, continuou a carreira tranquilamente, se aposentou, se tornou um técnico vitorioso e continua vivendo sua vida normalmente.
Portanto, se um estupro coletivo cometido por quatro jogadores famosos contra uma jovem de 13 anos não causa consequências no mundo do futebol, é de se imaginar o quão podre é a proteção desses atletas. Na época, Cuca e seus companheiros ficaram presos por 28 dias e foram condenados dois anos depois. Todavia, “cumpriram” a pena em liberdade.
Desde que entregue resultados esportivos, o torcedor não costuma se importar ou se envolver nessas questões “pessoais” dos jogadores. Mas mesmo sabendo dos fatos, até mesmo políticos interferem para que os atletas possam jogar normalmente. Em 2017, quando o Botafogo contratou o chileno Leo Valencia, pendências impediam a chegada dele ao Brasil. Isso porque o jogador também tem passagem por agressão. Todavia, Rodrigo Maia (Presidente da Câmara dos Deputadas) conseguiu, em um feriado no Brasil, fazer com que o jogador entrasse no país antes do previsto.
Consequências da injustiça
Esses casos no futebol, inevitavelmente, alimentam a cultura do estupro e da violência contra a mulher. Mesmo o Brasil sendo referência no ranking de feminicídio, os casos não são utilizados como exemplos ruins o suficiente, aliás, por ser um esporte formador de opinião, viabiliza na cabeça de agressores, a chance de fazer igual sem serem julgados por isso. Foi preciso um goleiro famoso planejar o esquartejamento da mãe de seu filho e joga-la aos cachorros, para o Brasil ficar em choque. Felizmente, desde então, as preocupações aumentaram um pouco. Jean, outro goleiro, foi demitido do São Paulo após agredir a mulher. Entretanto, continua jogando pelo Atlético Goianiense. O que prova, mais uma vez, que o prestígio e as portas abertas nos clubes, continuarão, mesmo que você seja condenado (e nunca pague por isso).
Bruno, antes do assassinato de Eliza Samudio, para defender o amigo Adriano Imperador após uma briga conjugal, soltou a lamentável frase: “Quem nunca brigou ou até saiu na mão com a mulher?”. Contudo, mesmo depois dessa fala e depois de alguns anos preso pela morte da mãe de seu filho, Bruno é usado como marketing para clubes e empresas lucrarem com sua imagem. Viveu entrando e saindo da prisão com habeas corpus, mas atualmente, já podemos o considerar livre enquanto o filho se sente ameaçado pelo assassino de sua mãe.
O futebol como habeas corpus
A falta de noção é tão grande, que quando Robinho foi condenado por estupro, alguns torcedores do Atlético Mineiro, começaram a fazer piadas homofóbicas contra o rival Cruzeiro. Na ocasião, o atacante ainda pertencia ao Galo e ganhou o apelido de “estuprador de Marias”. Isso porque Maria é um apelido pejorativo para se referir a torcedores do Cruzeiro. Andrada Bandeira, doutor em educação e autor de estudos sobre masculinidade e futebol diz o seguinte:
“Se a violência contra a mulher já é naturalizada pelo homem comum, imagina pelo homem rico, famoso e idolatrado, como é o caso de muitos jogadores de futebol? Ele acaba pensando que a mulher não tem direito de lhe negar nada. E se sente protegido pela devoção incondicional dos torcedores, que tendem a culpar a vítima quando um de seus ídolos se envolve num escândalo desse tipo”. – afirma o pesquisador.
Portanto, no Brasil e no futebol, a vítima se torna culpada.