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No primeiro episódio do novo videocast da PressFut, convidamos Fernanda Maia, apresentadora do SBT Sports Rio, e locutora do Estádio Nilton Santos, o estádio do Botafogo. Durante a entrevista, a comunicadora falou sobre o dia a dia das mulheres no jornalismo esportivo, a partir de sua trajetória.
Confira a entrevista:
Para começar, você poderia contar um pouquinho dessa sua trajetória até ser apresentadora do SBT Sport Rio?
É, eu sou professora de Educação Física por formação e também era gandula do estádio Nilton Santos. E aí, na final de Taça Rio, era Botafogo e Vasco. Eu fiz uma reposição de bola como gandula, só que ela foi muito rápida e saiu o primeiro gol do Botafogo naquele jogo. Botafogo foi campeão pela primeira vez, em seu estádio, naquela ocasião. Aí eu tive uma repercussão a nível nacional, né? Você é muito jovem, mas naquela época se viralizava na televisão. Hoje em dia, você viraliza no WhatsApp, no TikTok, no Instagram, mas naquela época se viralizava na televisão. Quando você viralizava, você ia em todos os programas da TV, os maiores programas da Globo, do SBT, da Record, enfim. E aí eu fui em grandes programas de televisão, tomei café com a Ana Maria Braga, fui no Altas Horas, fui no Fantástico, fui em grandes programas, e eu fiquei conhecida a nível nacional. A regra da reposição de bola no futebol mudou também por conta desse lance, e ela é válida até hoje, isso vai fazer 12 anos agora, e aí então a gente teve um processo de, uma questão muito notória para o Brasil. E eu sempre quis trabalhar com comunicação, com futebol, eu sou apaixonada por futebol, e então o Jornal Lance me chamou um ano depois daquele lance, para apresentar um programa de Web TV, que a Web TV estava nascendo na época, né? Eu aceitei, fiquei três meses no lance, José Carlos Araújo me viu, fazia um programa na Band, um programa aberto, de TV aberta, um programa ao vivo de televisão com Gerson, Gilson, Dé Aranha e o Garotinho. Só craque. E eu aceitei, entrei na TV aberta e nunca mais saí. Estou até hoje assim, eu sou apaixonada pela televisão aberta. Dentro da minha trajetória tem outras emissoras, tem outros conquistas que eu tive, mas foi assim que eu comecei com a comunicação no futebol.
E ao longo desse tempo, você também virou locutora no estágio Nilton Santos, que até hoje, né?
Então, na verdade, a minha história com o Botafogo, ela já é antiga, eu começo como ascensorista do elevador, né, o Nilton Santos, eu ficava apertando os númerozinhos lá. E fiz gandula, fiquei com a função de gandula durante 4, 5 anos, um pouco menos, e aconteceu essa repercussão. Eu já estava há três anos como gandula, depois daquilo ainda fiquei mais um pouco, porque eu não aguentei largar o osso, que eu adoro, adorava. Aí eu fiquei como gandula quase cinco anos, depois no Botafogo, porque assim, mesmo trabalhando com comunicação, paralelamente eu trabalhava no Botafogo, eu nunca larguei de trabalhar no Botafogo. Aí eu fiquei como a primeira apresentadora da Botafogo TV, fiquei uns anos, depois eu virei a locutora do estádio. Como locutora desde 2019, tem seis anos já na locução, e apareceu num especial de dia da mulher. Era um dia da mulher e eles me ligaram: “Fernanda, a gente quer fazer uma coisa diferente, a gente quer que você seja locutora por um dia”. Aí eu fui, me joguei, fiz do meu jeito, o pessoal gostou e estou lá até hoje.
Então, a gente sabe que o futebol também é um ambiente um pouco machista, né? Então, você, como passou por diversas áreas, você deve ter passado por situações também relacionadas ao gênero. Acho que você chegou a falar uma vez que você já chegou a ser assediada por um jogador. Foi?
É, foi. Assim, foi há muito tempo, eu não falo muito sobre isso porque eu não gosto e não me sinto bem. Eu não falo o nome do jogador porque eu acho que já passou e se eu tivesse que falar, eu acho que teria que ser. Tudo bem se eu quisesse falar agora também, eu estou no meu direito, mas eu não me sinto à vontade. Mas foi uma única vez, tá? Eu tô fazendo 15 anos de futebol e essa foi a única vez que eu fui assediada. Nunca tinha acontecido antes.
Qual era a função que você exercia?
Eu era apresentadora. Já era comunicadora. Mas nunca tinha acontecido antes. Acontecia um outro tipo de assédio. Que também é um assédio. Mas foi muito pouco. Eu me sinto até uma privilegiada de não ter sofrido tanto esse tipo de assédio nesse meio tão machista. Eu sou bem respeitada e isso me deixa bastante feliz. Mas infelizmente isso não é uma realidade de todas as mulheres que vivem nesse campo.
Você é uma referência para as mulheres no jornalismo esportivo. Como é ser uma das poucas mulheres a ocupar um cargo de destaque na mídia?
Na verdade, eu acho que a gente está avançando. Eu acho que poderia ser mais rápido. Mas também acho que estamos avançando. Isso é o que importa. Se a gente for pensar há dez anos atrás, que foi quando eu comecei, o que se via na televisão e nos programas esportivos eram mulheres lendo redes sociais. Inclusive, eu comecei assim. E você vê uma evolução de cara, não, a mulher não tá ali pra ler redes sociais, ela estava dando opinião pra apresentar. Mas a gente já vê um movimento que acontece bem antes disso com outras mulheres que assumem destaque e apresentam telejornais esportivos como a Milene Domingues, como a Renata Fan, que é uma grande referência, a Soninha durante muito tempo. Então assim, tem outras mulheres que abriram essas portas pra eu e outras mulheres também entrarem assim.
Eu estou há 11 anos na televisão aberta, eu faço esse ano, e me sinto um ser político toda vez que eu entro ao vivo como uma mulher.
Só o fato de eu estar ali, eu acho que eu já passo uma mensagem pra todos, não só pras mulheres que querem estar naquele lugar, pras meninas que tão crescendo e tem como uma oportunidade, porque quando você não tem um ponto de referência, às vezes você não gatilha uma vontade. Ah, vamos lá, eu quero ser mecânico de carro, eu sou menina. Ah, mas eu não sei se eu quero ser mecânico. Não tem nenhuma mulher, quase não tem mulher, então eu não tenho uma referência. Quando você vê uma mecânica, caraca! Eu quero ser mecânico… Abre mais possibilidades de imaginação. É uma referência mesmo. Então eu me sinto essa responsabilidade há 11 anos na TV, entrando como um ser político mesmo.
O fato da minha apresentação ali já mostra pra meninas que querem ser, que elas podem ser, já mostra pras mulheres que estão, que nós estamos ali, e já mostra pra homens que ainda tem alguma resistência, que a gente tá ali.
Voltando um pouco pra época de gandula, quando você fica famosa, assim, na mídia, que começa a aparecer nos programas, surgem também outras propostas fora do mundo do futebol em si, mas naquela questão de explorar o corpo da mulher. E você chega a receber proposta pra posar nua, né? Você pensou em aceitar em algum momento?
Não, não. Eu já disse não de cara. As duas revistas me chamaram, a Sexy e a Playboy. A Playboy foi um pouco mais insistente. E eu acho que faz parte do jogo deles, me falaram na época, não existe mais, né? Que eles ligam mesmo, várias vezes, ligaram pra minha mãe, várias vezes. E eu falava, vai, mãe, para de atender. Mas a minha mãe adora falar, atendia. Enfim, mas eles falam que eles acham que a pessoa tá sempre negociando pra melhorar o valor. E não era o meu objetivo. Não tinha um valor. E eu não tenho problema nenhum em mulher que saiu pelada. Zero problema. Tanto que quando eu era mais jovenzinha, eu falava, vai, gente, se tivesse que sair pelada, eu saía. Tô nem aí, meu corpo e minhas regras. Quando eu era pequena mesmo, tipo, 15 anos, 16. E aí, quando pinta o telefone, eu não quero não, eu não quero não, eu não quis, não negociei, não quis mesmo. E eu acho que talvez para aquele momento que era outra geração, era outro entendimento, era outro olhar, talvez eu poderia, eu pudesse ter ficado lacrada ali num rótulo de outra coisa. Talvez me limitaria como profissional. Talvez, não sei, a gente não sabe, mas talvez pudesse ser uma escolha que seria muito brusca no que eu queria. E quando aconteceu aquilo, eu botei na minha cabeça: agora eu vou buscar a minha vaga de comunicadora. Eu vou seguir esse caminho. E aí, quando aparece a revista, eu entendo que ela poderia me atrapalhar nessa jornada. Até pela forma como eu cheguei. Eu não estudei o jornalismo, fui estagiária e virei apresentadora. Eu era uma gandula, que arrumei, conquistei uma vaga na televisão. Depois eu estudei, mas eu fiz o caminho inverso.
Eu brinco que o jornalismo me escolheu, que não fui eu que escolhi o jornalismo.
Então, já tem um pouco de resistência e preconceito, agora não mais, mas no início tinha por eu ser gandula, com colegas, tá. “Ah, essa menina é gandula”, como se fosse uma coisa, uma forma pejorativa mesmo. Então eu já tinha que vencer essa resistência.
Qual estratégia você usou?
Caguei. E se eu tivesse também saído pelada, talvez eu não ia trilhar esse caminho. Talvez, não sabemos, né? Mas foi uma estratégia que eu… O não foi uma estratégia também.
E como você acha que o jornalismo esportivo poderia melhorar em termos de igualdade de gênero?
Na normalização, assim, eu acho que nada que a gente faz de forma brusca vai ser aceito de forma imediata. Então, quando você passa a ter narradoras mulheres, o momento da transição, os anos que isso vai mudar, vai ter resistência, povo falando, povo reclamando, haters, tudo nas meninas. Depois de um tempo, depende de quanto, cinco, dez anos, um ano, enfim, tanto que as pessoas vão se acostumar, para. Aí normaliza. É normal eu ligar num domingo a televisão e escutar uma voz feminina narrando um futebol. É normal. Mas enquanto não normaliza, tu vai sofrer ataque, entende? Por exemplo, hoje, eu, Fernanda, não sofro ataque por ser apresentadora. Por quê? Porque já está normal. Porque a Renata Fan, lá há 15 anos atrás, 20 anos atrás, Renata fez 17, acho que agora com o Jogo Aberto… Há 20 anos atrás, a Renata Fan tomou porrada. Falaram que a voz dela era isso, que ela era aquilo, que ela era mulher, que mulher não sabe apresentar, que “bebebe”, que “bibibico”, “bobobó”. Agora são com as narradoras, né? Aí ela tomou porrada, tomou porrada, tomou porrada, pum, estabilizou. Normalizou. Ficou normal, no almoço, você comer e ver uma mulher ministrando uma mesa de futebol. Normalizou. Então parou o povo que não sabe mudar. Hoje são as narradoras. Elas estão tomando porrada. Ah, uma inventa um bordão: porrada nela! A outra fala no cantinho: porrada nela! Todo mundo grita gol, mas a uma grita gol, porrada nela. Mas daqui a alguns anos, vai passar.
Eu tomo porrada como locutora. Muita porrada, muita, mas muita porrada. Ainda mais que agora furou a bolha só do Botafogo e viralizou no Brasil inteiro. Enquanto era só o Botafogo, eu não tomava porrada, que é a minha torcida, né? Foi inclusive a torcida que me botou ali. Porque eu não tenho voz padrão. Eu estou quebrando um padrão. E aí a torcida me aceitou do jeito que eu sou. Porque a gente tem uma identificação, a gente tem uma história juntos, né? Nós somos um grande amor, né? E eles me aceitaram. Então eu não tomava porrada.
Quando furou a bolha Botafogo, aí eu tomo porrada. Mas vem flecha de tudo quanto é lado. É daqui, é dali, é dali, é do TikTok, é do não sei onde, é do Twitter. Por quê? Porque para algumas pessoas é estranho uma voz feminina num ambiente super competitivo. A voz da mãe gritando: “Daniel, já pegou a blusa? Já botou o casaco?” Talvez gatilhe um outro lugar da cabeça das pessoas. Entendeu? Até normalizar. Aí daqui a alguns anos… E olha, a gente tem outras mulheres há mais tempo como locutoras. A gente tem a Polly no Mineirão, que fez 25 anos de Mineirão. Talvez a galera… Talvez não. Com certeza a galera do Mineirão já normalizou isso. E, inclusive, eu tomo pouca porrada que você vê de mineiro. Eu tomo pouca porrada, sabe de onde? Da torcida do Internacional. Por quê? Porque tinha uma mulher lá. Muitos anos. E eles estão acostumados.
Inclusive, vocês criaram um grupo no WhatsApp com as locutoras, certo?
Criamos com as locutoras. Tem a Cris, que é uma voz poderosíssima do Corinthians. Tem a Lê, de Minas. Tem a Polly, que é do Mineirão. Tem a Lulu, que é do Grêmio. E tem a Carlinha Matera, que é do Flu. E tem a Kaline, que é da Arena do Vozão, do Ceará. Somos nós, mulheres, hoje, como locutoras de grandes estádios. Obviamente, estádio de menor porte, com certeza, deve ter outras mulheres. Mas essas são as mulheres de estádios muito grandes, né? E, dentro delas aí, a maioria tem o meu tempo. Acho que a Lulu é a mais novinha, começou no ano passado. A Carlinha Matera acho que começou em 22 ou 21, uma coisa assim. Eu, a Carline e a Cris estamos há seis anos. E a Polly e a Alê estão há milênios. A Polly fez 25 anos de Mineirão. São pioneiras nessa questão.
Mas a bolha está sendo furada agora para o Brasil, depois das viralizações dos vídeos, principalmente do Tiquinho Soares. E aí as pessoas estão cara a cara com uma locutora. Porque você só vai ter acesso àquela mulher quando você for naquele estádio. Que é o caso da galera que frequenta Mineirão. Que é o caso de quem frequenta o Estádio Nilton Santos. Quem frequenta o estádio já estava super acostumado com o “Incendeia a torcida do Fogão”. E o povo foi descobrir mês passado que existe. Mas quem vai lá no estádio já nem escuta mais. Porque já está acostumado, já é normal. E aí é o normalizar. Então eu vou tomar porrada agora. Elas agora também vão tomar. Porque agora o holofote virou. Então elas vão tomar porrada também. E daqui a… Vai passar. Entendeu? Vai normalizar. Vai normalizar.
E aí o que a gente está vendo hoje: escolas me imitando. Os alunos. Meninas e meninos. E os meninos quando vão me imitar, fazem o quê? A voz feminina. E aí eles começam a pôr nessa idade, na cabeça deles, que a locutora de estádio é o quê? Mulher. E aí acabou. E aí essa geração não vai dar porrada em ninguém. Vai ter um monte de menina ali que vai ser locutora. E o menino que vai no estádio vai escutar uma voz de mulher e vai ficar calado. Não vai ficar: “Que voz chata, meu Deus!”.
A minha voz pode ser chata? Pode. Tem gente que pode não gostar? Com certeza. Mas muita gente ataca porque não acostuma. Sim. Depois que acostuma, aí normaliza. Entende? É o mundo. O mundo é assim. E por isso que eu sofro… Eu como mulher, sofro porrada, tomo porrada, não tomo porrada, ganho carinho da galera. Eu tento não me machucar com isso. Porque se a gente ficar se machucando, a gente começa a entrar num lugar de ter dificuldade com o seu dia-a-dia. O que é o meu dia-a-dia? O dia que me pega num dia enfezado, aí eu fico mal, vou trabalhar chateada. Isso não é legal.
Então eu tento pensar também dessa forma otimista e que eu acho que é a realidade, que eu não fico tão extrema, que eu acho que às vezes a gente pode se machucar. Acho que é necessário ter esse tipo de gente extrema, é muito necessário, que dá um equilíbrio ali, até numa briga de bandeiras e tal. Mas eu tento levar desse jeito até como um escudo pra mim e como um pensamento de seguir e entender que a flecha vai tocar em mim e não vai me machucar, que senão eu não sigo. Se eu tomar todas as flechadas que eu recebo, eu caio pelo caminho.
É importante a gente também ter chefias que coloquem as mulheres nesses cargos, porque competência tem, e confiar nas mulheres.
Por exemplo, lá como locutora, eu agradeço a minha chefia que acreditou em mim, porque eu fui a primeira mulher locutora no Nilton Santos. Como a torcida ia receber uma mulher? Uma voz feminina é uma coisa que não é um padrão. Hoje que a gente fala de padrão de locução de estádio, talvez ele está se quebrando. Mas ele vai ser um processo ainda pra se quebrar completamente. Ainda tem essas pessoas da resistência, é normal. Mas como ia ser? Como que eles iam me aceitar? Quando eu decido fazer um grito do Tiquinho, que isso partiu de mim, não foi do clube, não foi o clube que me pediu pra fazer.
Muita gente fala assim, ah, essa era a John Textor, tu vê como é que é, né? É, europeização… Aí viu o que ela fez, não foi, não tem nada a ver, a gente entende? E aí eles confiaram no meu trabalho, né? Isso em todos os… Quando o Diego Sangermano me convida pra ser apresentadora da SBT Sports Rio, você tinha um cara do tamanho do José Carlos Araújo, um Garotinho há tantos anos com a televisão, um cara altamente experiente. E aí a menina da mídia social vira apresentadora. Entende? Então, assim, isso é confiança, sabe? É você também ter pessoas por perto que vão confiar no seu trabalho e vão te ajudar naturalmente.
A verdade é, Daniel, que na vida, não só no nosso trabalho, a gente não chega em lugar nenhum sozinho, né? A gente sempre precisa da ajuda dos nossos amigos, das pessoas que estão no nosso redor, e que às vezes não são nem nossos amigos, mas são nossos colegas de profissão. Às vezes a gente tem uma pessoa que a gente nem tem amizade, mas ela ajuda a gente no trabalho. Então, sim, faz parte do processo da vida, né?
E que dica você daria para as mulheres que enfrentam ou enfrentaram situações também relacionadas a assédio e machismo dentro do jornalismo esportivo?
Assim, eu acho que cada mulher reage de um jeito, né? Por exemplo, quando eu sofri, eu preferi não falar. Mas se a mulher prefere falar, fale! Né? Siga, vá em frente! E, mais do que isso, não se deixar abater. Porque muita gente faz certas coisas com as mulheres, e eu não estou falando de assédio, eu estou falando de tudo. Às vezes até uma crítica na internet é para te frear. Porque o seu avanço incomoda aquela pessoa. Então ela quer te frear. Como ela vai te frear? Te esculachando, te ridicularizando, tentando pegar no teu ponto fraco. Isso não é só na mulher, né? Isso é em homem também. Então, acho que assim, dentro desse meio que a gente decide ser comunicador, a gente está exposto o tempo inteiro. E ainda mais se a gente está na frente do vídeo, a gente está mais exposto ainda. Então, é no mercado que você vai, é no shopping que você está. Você é o seu CNPJ o tempo inteiro. Então, a dica que eu dou para as mulheres é não desista. Não deixe que pessoas te podem, sejam âncoras na sua vida. Porque tem gente que está, às vezes, do nosso lado, e está dando conselho e está falando umas coisas que vai botando a gente para baixo, já viu? E a gente olha, parece que a gente tem uma bola de ferro no pé e não consegue sair do lugar. Se livre dessas pessoas, porque essas pessoas não servem. Elas vão aparecer. Vai ter gente que vai querer te derrubar. Vai ter homem que vai querer te derrubar. Vai ter mulher que vai querer te derrubar. Isso é do ser humano. Siga em frente. Faça o seu. Faça com a tua ética. E não deixe a flecha do preconceito, a flecha do haters, a flecha dos idiotas pegarem você. Isso é o mais importante.
Se blindar não é fácil, tá? Foi um processo que eu demorei, depois de 15 anos, que não é fácil, mas eu consegui. E o melhor caminho é esse. É tentar não se ferir com certas coisas que vão acontecer no caminho.
E hoje você olha para a trajetória e sente orgulho, né?
Assim, eu me sinto uma vitoriosa já. Se alguém chegasse e falasse: “Pô, Fernanda, você tem algum sonho que você não realizou?”, tem muitos, claro. Mas os grandes sonhos que eu realizei, sabe?
Criar uma identificação com o meu próprio clube, o meu clube de coração, que eu sou apaixonada. Pode ser uma coisa boba, mas escutar a torcida do Botafogo gritar o meu nome… É estar associada a um momento histórico do clube. Mudar uma regra de futebol e depois criar uma interação com a torcida. Coisa jamais vista nesse tipo de interação no futebol do Rio de Janeiro. Você vê um futebol com o Maracanã, com o estádio Nilton Santos, com São Januário, com grandes estádios, e você criar um tipo de, uma forma de torcer, mesmo que ela dure 30 segundos, que é o que dura, né, o povo acha que aquilo é o tempo inteiro, não é, aquilo dura 30 segundos. E quando o Tiquinho faz um gol, né? Porque você não faz um gol que não acontece, mas queria viver esse momento também, a torcida…
Já pensa em uma comemoração para algum outro jogador?
Não, isso é um processo, né, tem que ser… Mais natural, é… Ele tem vários lados: tem o jogador, que jogador será esse, a torcida vai querer? Vai aceitar? Vai comprar ideia como comprou do Tiquinho? O clube vai querer? É um processo muito grande. Maritificação de todas as partes. O grito do Tiquinho demorou quatro meses, do dia que eu pensei em fazer até o dia que eu fiz. Dentro desse tempo teve um monte de coisa, teve. De não me responderem, de não aceitarem. Teve pedidos de permissão, inclusive pro próprio Tiquinho, foi a primeira pessoa que eu perguntei, se ele gostava, se ele queria.
Qual foi a reação dele?
“Ah não, pode fazer, eu adorava lá no Porto”. Faziam isso lá no Porto, por isso que eu fiz aqui, eu copiei lá do Fernando, que é o locutor do Porto. Então assim, é um processo, as pessoas acham que eu cheguei ali, “ah deixa eu fazer uma parada aqui”. Não, foi uma coisa pensada, de pegar autorização do clube, falei com lideranças de torcidas organizadas do Botafogo, pra eles estarem cientes e tal. Até pra ajudarem também na atmosfera. Pra tudo, né? Pra tudo, porque não é assim que chega ali e faz, é? Então eu estou vendo se isso vai rolar pra outro, ainda não estou pensando nisso não, eu acho que o que tá sendo feito tá bacana e mais pra frente a gente pensa talvez.
Mas eu sinto o orgulho sim da minha trajetória, assim, da minha história principalmente, eu sempre penso assim: “ah o que da vida que não tiram de você, né?”. Tu compra um carro, podem te levar, tu conquista dinheiro, você pode perder, um namorado, tu pode perder. Em tudo a vida pode te tirar, né? Mas junto com você vai o que você construiu da sua história, né? Isso ninguém tira, nem depois que você morre. O que fica para trás é o que você fez durante a sua trajetória da vida. É a sua história, e assim, eu sinto muito orgulho da minha.
Ainda mais vocês, como mulheres, sendo pioneiras nessa questão, para a história mesmo, né?
É, fica para sempre, assim. Eu estou na rua e falam: “ah, eu tenho 10 anos, eu sou a Débora, e eu quero ser apresentadora igual a você”. Daqui a 20 anos a Débora está apresentando um programa, e a Débora vai falar: “ah, eu adorava a Fernanda!”. Isso é demais, isso é impagável!
Até com a sua filha, né? Que você postou um vídeo agora, que ela está te imitando.
É, mas elas me imitam, elas gostam de ficar gritando, de incendiar a torcida do fogão. Aí fica: uma grita Tiquinho, a outra Soares. Aí a outra grita Soares, e a outra grita Tiquinho. Elas passam o dia inteiro. Elas têm o microfone, aí elas ficam imitando.
Você gosta ou você já está cansada?
Não ligo, Daniel. Não ligo. E quando alguém… Eu recebo, tipo, sei lá, quantos vídeos por dia de gente imitando. Escola, criança. Tô na rua, aí vem alguém: “grava um vídeo pro meu primo. Ele tem sete anos e ele adora o incendeia. Ele é Corinthians, mas ele adora…”. São as mensagens que eu mais recebo. Como é que eu vou… Como é que eu vou cansar disso? Como eu não vou gostar? Isso mostra quanto o público tá… Tá te retribuindo o seu trabalho. Torcida de outros times. Outro dia eu vi um jovem no TikTok, né? “Ah, mas essa menina, ela não percebeu que estão debochando”. Dentro de uma trend, que foi uma trend que virou, né? Dentro de uma trend, tem tudo ali dentro. Tem gente que gosta do seu trabalho. Tem gente que tá debochando do seu trabalho. E tem gente que nem sabe quem você é, mas tá reproduzindo. E essa é a maioria, tá? Não sabe nem o que é futebol, o que é Tiquinho Soares, o que é Botafogo, mas tá fazendo o que o viral faz. Ah, o viral é isso, é trend, vou imitar. Só que com a trend, você acaba entendendo: “eu tenho seis anos, não sei quem é ninguém. Eu estou imitando, ó…”. Você vai buscar saber. Essa é uma locutora de estádio, e o Tiquinho é um cara que faz gol e segura o braço assim, e o Botafogo é um time do Rio de Janeiro. Você começa a ficar mais antenado, e você começa a ser para aquela… Toda aquela bolha que talvez você não atingiria, né?
Então, como é o que eu vou me preocupar? Que dentro dessa faixa de gente, um monte de gente… Tem o Silis Treco e o Flustreco que tá debochando de mim? Daniel, não vou, sabe? Aí é o pensamento do jovem, assim… Isso é muito perigoso na internet, né? Eu acho a internet muito perigosa, né? Eu gosto dela, mas ela é perigosa.
Eu não vou tomar essa flechada. Mas talvez, se fosse há 20 anos atrás, eu tomaria, entendeu? E aí, me preocupo com esse jovem que está perguntando se eu não estou percebendo, que se fosse ele, ele ia estar mal. Então, assim, a gente tem que saber filtrar a internet. A internet é do caramba, é muito legal. Tu fica na fila de espera do médico duas horas. Antigamente, quem lê uma revista, Daniel, foi dessa época. Hoje, tu resolve tua vida, tu vai, mexe no telefone, vê um vídeo engraçado, viraliza uma coisa, fala no grupo da família, recebe a flor da tua tia de bom dia. A internet é do caramba. Mas ela não é a nossa vida real. Ela ajuda, ela faz parte, ela já virou um acessório? Já. Você começa a namorar na internet, você faz amigo na internet. Ganha dinheiro na internet. Você ocupa, muitas vezes, uma vida solitária, muita gente sozinho. Na internet é bacana, mas ela não é tudo. Não é tudo. Outro dia eu vi um menino de uma página que foi cancelado no Twitter. Aí eu mandei um direct para ele, falei assim. Aí eu vi ele botou, “ah, eu estou com medo de ir no jogo”. Aí eu fui no direct. Por que você está com medo? Aí ele, “não, porque você viu aí, fui cancelado, eu falei um negócio”. Eu falei: você foi cancelado por quem? Por meia dúzia de gente no Twitter? Quem são essas pessoas? Eu tenho certeza que a maioria, nem no jogo vai. Fora do Twitter, você não está cancelado. Você só está cancelado ali. No supermercado, comprando um pão, você não está cancelado. Um tio lá da banca de jornal, nem sabe quem você é. Faz o seguinte? Desliga o telefone, esconde fora dele e vai no jogo. Depois você me diz. Depois ele manda uma mensagem: “Ai, Fernanda, eu fui no jogo, deu tudo certo. Realmente, ninguém nem reparou”. Não pode levar para o coração, sabe? É o fato e essa minha viralização, da trend, pra mim é como uma história assim.
Você recebe uma maçã envenenada, Daniel. Você tem três opções. Você colhe a maçã, aí você sabe o que vai acontecer? Você vai morrer? Você lamenta, ai meu Deus, essa maçã envenenada. Ou, você abre a maçã, pega o semente, planta, espera e come. Olha o fruto. Eu escolhi a terceira. E a vida é assim, Daniel. A flecha vira e você tem que estar pronto pra se proteger com o seu escudo. É isso.
Pra finalizar, quem são suas inspirações no jornalismo?
Várias pessoas. A Renata Fan é uma delas. Eu sempre falo da Renata. Eu acho a Renata um poder, uma mulher poderosíssima, linda. E o que eu mais gosto da Renata é que ela tem aquele tom peruinha dela. Eu acho o máximo. Um sapato desse tamanho. A mulher tem um metro e noventa. Umas roupas elegantes, mais um cabelo lindo, uma coisa linda. Uma presença. Ela não tenta botar um jeito masculino para falar de futebol. E se ela quisesse, tudo bem, se fosse o jeito dela. O que eu estou querendo dizer é que ela não muda o jeito dela extremamente ela, por causa da opinião dos outros e nem pelo futebol. Às vezes as pessoas têm essa coisa de querer estar num lugar para ser aceito, entende? E como o futebol é muito masculino, às vezes as pessoas entram nesse personagem para ser aceito. E a Renata não, ela é ela. Ela não muda um pinguinho. E sempre foi assim. Porque eu assisto a Renata desde que ela lia o e-mail no computador, que nem celular existia. Ela lia e-mail no computador, ela sempre foi a Renata Fan. Isso para mim é uma coisa espetacular. Fora da capacidade que ela tem do conhecimento, que ela tem a capacidade de administrar uma mesa de debate de futebol que é muito difícil, há tantos anos, de forma que, sem interromper, porque ela não parou e voltou, ela tá aí acho que 17, 18, uma coisa assim. Faz duas décadas já, né? É muita coisa, é muita coisa. A mulher é muito poderosa e ela é uma referência assim pra mim.
Aí a gente vem outro tipo de referência, eu escolhi uma do mesmo gênero, mas a gente vai pra um José Carlos Araújo, que é o meu padrinho. Um padrinho, mas não só por isso, pelo que eu aprendi com ele, durante a minha trajetória com ele. Eu fiquei, sei lá, alguns anos ao lado do Zé, e eu brinco que a gente aprende com o Zé calado. O Zé tá falando, tá falando, o Zé parou de falar, você para também, você olha e você tá aprendendo com ele calado, em silêncio, assim. Só observando. Ele é muito demais.
E tem um cara que eu gosto muito do jeito de ele apresentar, assim, tem várias referências, mas o Marcelo Barreto é um cara que eu gosto muito, porque eu acho ele um cara muito generoso. E eu, eu tô apresentadora há sete anos, não sei, uma coisa assim, seis, sete anos. Eu era comentarista e passei a ser apresentadora de TV, né? Eu era, já fui da Botafogo TV, mas era uma coisa de entrevista. Fiz rádio, mas é diferente. A TV aberta é diferente. Então, eu estou apresentadora esse tempo. E aí, eu comecei a olhar os apresentadores, assim. E eu não sou sozinha, não sou a apresentadora que lê um TP ou que passa uma notícia e chama um VT. Não, eu sou uma apresentadora que eu venho num debate com outras pessoas junto comigo e já mudaram esses personagens, mas sempre tem personagens e existem debates de futebol. E eu tenho que administrar aquilo, dar minha opinião, tirar, encerrar, chamar um break e tal.
E aí, eu quis entender quem era eu apresentadora. E, assim, eu achei que a figura da generosa seria mais bacana pra eu trilhar e é a que mais eu achava que combinaria comigo. E que, assim, tem o apresentador que é o showman. Ou aquela coisa do que ele fala mais do que todo mundo, que ele tem opinião muito forte. Tem. E tem vários tipos. Opinião final do debate. Tem vários tipos de apresentadores. E eu escolhi ser a generosa. Eu gosto muito de que quem brilhe seja o grupo. E, principalmente, seja os elementos que estão comentando. Eles estão comentando o produto futebol. E eu tento ir administrando o meu comentário também, é claro. Mas eu pincelo aqui e jogo pra cá. E quero que todo mundo fale, que todo mundo brilhe.
E eu acho que o Marcelo Barreto tem muito disso. Eu acho muito… E eu vejo muito isso na apresentação dele. A bancada dele é muito leve. As pessoas falam, as pessoas dão opinião delas. As pessoas têm o tempo. Enfim. Eu gosto muito dele. Eu acho ele um grande apresentador. E eu tenho ele como referência também. Mas eu tenho outras referências também. Hoje, eu escolhi esses três.
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