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No Brasil, rodas de fechamento, promessas de torcedores e até superstições estão presentes em absolutamente todos os jogos. Não que a religiosidade no futebol seja algo exclusivo nosso, mas aqui existe um tom a mais, talvez causado pelo reflexo de nossa sociedade.
Existe um ditado popular que diz o seguinte: “futebol, política e religião não se discutem”. Entretanto, está evidente que a PressFut não segue essa balela, senão, nem existiria. Agora, relacionaremos o futebol no campo religioso. Contudo, a ideia é comentar rapidamente sobre tradições no futebol, e aí sim, questionar algumas atitudes, ainda que não entrando de vez em debates.
O cidadão brasileiro de modo geral vive diversas dificuldades em sua vida. Com isso, a fé é uma ferramenta que conforta e gera esperança para muita gente. De fato, grande parte desse público são de pessoas e locais mais humildes, onde normalmente surgem os jogadores do futebol brasileiro. Assim, eles levam a palavra de suas crenças para as entrevistas durante e pós-jogo.
Antes da paralisação do futebol por conta do novo coronavírus, um acontecimento chamou atenção no dérbi entre Ponte Preta e Guarani pelo campeonato paulista. O atacante Roger, que no intervalo saiu de campo glorificando Jesus pelo bom resultado até aquele momento, ao perder o jogo, se descontrolou e arrumou uma confusão generalizada com o adversário.
Roger, no intervalo do Dérbi, Ponte Preta ganhando do Guarani com gol dele.
— ge (@geglobo) March 17, 2020
– Toda a honra e toda a glória a Jesus…
Roger, no fim do jogo, após perder o Dérbi de virada.
– #$%#%¨$@@@!
Saiba tudo sobre Guarani 3 x 2 Ponte Preta pic.twitter.com/69I5KMe0X6
Isso resume de forma muito evidente um certo tipo de hipocrisia da religiosidade de muitos brasileiros. Entretanto, como já avisado, a intenção aqui é mostrar que momentos de fé, como o da entrevista antes da confusão, se tornaram tradições no futebol brasileiro, quase que exclusivamente.
Da vela para a santa até a adoção de santos para o clube
É extremamente normal nos depararmos com jogadores e técnicos acendendo vela para determinados santos dentro do vestiário. É uma tradição adotada por alguns clubes e até profissionais. Com maior força naqueles que já se “batizaram”, como o Flamengo, que conta com São Judas Tadeu, santo padroeiro do clube rubro-negro. O “dia do Flamenguista” é comemorado em 28 de outubro, mesmo dia de São Judas Tadeu.
“Em todos os clubes que trabalhei, nos vestiários dos times profissionais tem um pequeno altar. Este altar é como se fosse uma grutinha, pequena. Ela fica na altura, redondinha, e lá tem todas as manifestações religiosas possíveis de cada um.” – Evanea Scopel, psicóloga do Internacional, em 2013.
Mas essa ainda é uma fé não muito universal. Diferente dela, o fechamento, também conhecido como roda de oração é algo mais natural. O tradicional “Pai nosso” é rezado no tom mais alto, gritado sincronizadamente antes e depois das partidas e até aquecimentos, incluindo todas as pessoas, independente da religião.
Seguindo na ordem do percurso de um jogador de futebol, vem a entrada no gramado, onde se pisa com o pé direito. Depois, é hora de se benzer enquanto vai até a sua posição dentro de campo. Já posicionado, hora de levantar os braços e rogar. Para os goleiros, cabe se ajoelhar e beijar um crucifixo que ficará ao lado de uma das traves de seu gol. A hora da entrevista é a hora de agradecer.
Não, isso não é um manual de comportamento, mas é uma tradição para muitos jogadores, que inclusive, já ficou no imaginário dos torcedores, tendo os gestos repetidos por quem sonha se tornar jogador profissional um dia.
O preconceito como reflexo da sociedade
Uma foto publicada no Instagram do volante Feijão, que fazia referência ao seu orixá Ogum foi alvo de preconceito. O jogador foi chamado de “macumbeiro”, “carniça” e “miséria” por um internauta, que exigiu a saída dele do Bahia. Na época, Feijão respondeu: “Sou macumbeiro mesmo, não tenho vergonha não. Quem é você para me mandar embora do Bahia?”
Essas situações infelizmente ainda são corriqueiras em nosso cotidiano. Por mais que o Corinthians tenha São Jorge como padroeiro e o próprio Bahia faça campanhas contra o preconceito religioso, tem muito torcedor médio que não tem vergonha de externar seu lado ruim, achando-se acima da razão. Contudo, isso também é intrínseco na criação de jogadores, como Bruno Henrique do Flamengo, que continua com essas tristes atitudes.
– Fizeram “macumbaria” para não chegar no meu sucesso. Deus falou para ter paciência, que o melhor estava por vir. E hoje eu posso contar que o melhor aconteceu na minha vida: ter sido chamado para a Seleção e jogando no melhor time do mundo. – Bruno Henrique, atacante do Flamengo.
Assim como o racismo, machismo e outras abominações, o preconceito religioso é algo que está enraizado em nossa sociedade, e deslealmente, religiões de matrizes africanas são o tempo todo atacas tanto de forma verbal como de forma física. E com declarações desse nível, por parte de figuras públicas, fica ainda mais difícil conscientizar a população.
A relação entre a religião e o futebol
O futebol e a religião são algumas das maiores paixões do brasileiro, por isso, se entrelaçam muitas vezes. Como bem sabemos, no esporte como na vida, a esperança é a última que morre. O Botafogo por exemplo, é conhecido por ter uma torcida extremamente supersticiosa, daquelas que usam a mesma cueca todo jogo ou que deixam de fazer algo em troca de uma vitória.
Inclusive, manifestações religiosas já foram até punidas. Em 2013, o ex-goleiro Jefferson foi proibido de manter um corte de cabelo com o desenho de um peixe, que representava os “atletas de cristo“, da igreja evangélica. Segundo a Fifa e o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, é proibida qualquer manifestação religiosa dentro de campo. Esse caso foi uma grande polêmica, pois faltou congruência na lei, levantando hipóteses de perseguição.
O fato de jogar no Brasil já expõe a fé de muita gente por conta do alto grau de imprevisibilidade, até mesmo em jogos proibidos, como o jogo do bicho. No futebol não é diferente. “Rogai por nós” se misturou com “Jogai por nós” e aumentou a intensidade da relação do povo com o jogo, transformando o futebol também em uma religião.