Futebol

A relação do futebol com a violência doméstica

Dados de órgãos oficiais revelam uma triste relação do futebol com a violência doméstica. Por isso, precisamos sempre inserir o esporte em questões sociais.


Em Junho de 2020, ainda no começo da pandemia do novo coronavírus, uma declaração assustou algumas pessoas. René Simões, famoso técnico e palestrante do futebol brasileiro, deu a seguinte declaração para defender a volta dos jogos de futebol em meio à pandemia:

“Vamos discutir o futebol como fator social pra ajudar as pessoas em casa que estão enlouquecendo. Tenho amigos que já se separaram, outro que já bateu na mulher, outros batem nos filhos. Tão enlouquecendo. Se voltar o futebol pode ajudar em alguma coisa.” – declarou o ex-treinador.

Entre as declarações polêmicas, essa foi a que mais causou impacto. Principalmente pelo fato de René ser ex-treinador de futebol feminino. Por isso, a declaração chegou a ser mais surpreendente. Obviamente, vale lembrar que nenhuma agressão pode ser relacionada com qualquer fator que não seja o próprio ato covarde e criminoso. Mas se formos discutir dados, veremos que o futebol, nem de longe, é um fator que ajuda no convívio entre cônjuges e familiares.

A relação do futebol com a violência doméstica em números

Campanha contra a violência contra a mulher.

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Que o futebol é um esporte que mexe com a emoção dos torcedores todos nós já sabemos. Entretanto, pouca gente relaciona os dias de jogos com o aumento da violência doméstica. Justamente por mexer com a emoção dos  torcedores, o dia de jogo aflora diversos sentimentos. Desde a ansiedade até mesmo a felicidade. Mas em contrapartida, precisamos ficar atentos com outros sentimentos: o Cadastro Nacional de Violência Doméstica registra um aumento no número de agressões em dias de jogos.

A efeito de comparação, publicamos dados de um estudo sobre a relação do futebol com o consumo de álcool, que gera inclusive, o alcoolismo e, como consequência, aumenta as brigas em estádios e ruas. Da mesma forma que precisamos tratar desse fator social numa perspectiva do esporte, também precisamos relacionar a violência doméstica ao futebol. Fazendo uma viagem para a Inglaterra, berço do futebol, os índices são mais claros ainda: em dia de jogos da Seleção, a violência doméstica cresce 26% e chega a incríveis 38% de aumento quando a Inglaterra perde.

Portanto, toda a masculinidade que envolve o futebol e gera violência em estádios a partir do álcool ou até mesmo do preconceito com outras orientações sexuais, não afeta somente quem consome o esporte. Esses números ilustram que um sentimento de paixão pode ser um sentimento de medo e sofrimento para outras pessoas. Enquanto torcedores rezam por um gol do seu time, mulheres rezam para não serem agredidas e mortas caso Deus não atenda o pedido de gol dos torcedores.

Campanhas de conscientização

A relação do futebol com a violência doméstica.

“Pensei, pensei e deixei passar, ainda angustiado. Mas, no caminho do hotel até o estádio, tive a ideia de fazer o X na mão — já tinha visto esse ato em outros protestos contra violência contra a mulher. Não comentei com ninguém do clube nem com minha esposa. Entendi que seria um gesto simples que conseguiria transmitir a mensagem que eu queria. Lembro bem como me senti. Era uma ansiedade grande. Levantei a mão esquerda e tentei ficar calmo, independentemente de qualquer coisa, da possibilidade de emissoras de TV flagrarem, de fotógrafos clicarem. Minha parte estava feita.” – Hyuri sobre o gesto durante o um minuto de silêncio.

Todo ano, dezenas de campanhas contra a violência contra a mulher repercutem nos clubes do Brasil e do mundo. Entretanto, poucas são as atitudes reais nessa luta. A coragem do atacante Hyuri se fez mais forte pelo contexto em que estava inserido. Então jogador do Atlético Goianiense, o carioca dividia o dia-a-dia de trabalho com o goleiro Jean, que foi preso nos Estados Unidos por agredir a esposa.

Mesmo após toda a repercussão do caso, Jean conquistou um status de ídolo no clube goiano. Status esse, imposto pela própria diretoria do clube. Se pegarmos de exemplo o próprio Estados Unidos, onde Jean foi preso por violência doméstica, ele jamais voltaria a atuar. Na liga americana de futebol, atletas e funcionários envolvidos em violência doméstica são proibidos de atuarem na competição. Ou seja, um pequeno exemplo de que atitudes são mais importantes do que apenas campanhas.

Portanto, precisamos debater cada vez mais profundamente assuntos de cunho social. Não podemos usar o futebol como desculpa para nenhum tipo de violência. Contudo, podemos usá-lo como exemplo de conscientização. Algo que hoje, infelizmente, pouco é feito.

Daniel Dutra

Jornalista e fundador da PressFut. Também atua no SBT e na Rádio Tupi.
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