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O que diferencia os clubes brasileiros dos clubes europeus em questão de gestão? Não é novidade para ninguém que estamos extremamente atrasados, parados no tempo. Mas como clubes como o Bragantino conseguem se estruturar e gigantes do G12 não? Sabemos que não é questão de achar investidores, a questão é acabar com a mordomia dos cartolas brasileiros. Ainda disseram que as coisas mudariam depois do 7 x 1.
Escândalos de corrupção, falta de transparência e dívidas imensas. Essa é realidade do futebol brasileiro, inclusive para quem conquistou títulos nos últimos anos. Nossos clubes de futebol tem direitos que nenhuma outra empresa possui. Aliás, no Brasil, não são empresas. Há tratativas para tal, mas isso é assunto para o próximo texto da semana.
Mesmo sendo o maior exportador de jogadores de futebol do mundo, o Brasil não recebe quase nenhum investimento, nem de patrocínio. Qatar Airways e outras empresas aéreas já estão na Argentina, mas nada de chegaram aqui. Imagine então alguém investir na profissionalização de um clube, fica mais complicado ainda, não é? Mas porquê?
Os times fazem parte de um grupo com privilégios exclusivos, como por exemplo, isenção de impostos. Assim como ONGs, igrejas e associações de moradores, eles têm a missão de contribuir de alguma forma para a sociedade. O que de fato acontece. Aliás, o futebol como principal esporte, é uma das maiores formas de inclusão e socialização do mundo. Mas o que vem ao caso é: como a mordomia faz com que pessoas se aproveitem dessa situação? Pedro Trengrouse, FIFA Master, palestra sobre o assunto:
“Na gestão de um clube associação, os dirigentes não têm nenhuma responsabilidade patrimonial e isso traz insegurança jurídica para planejamento e investimentos de médio e longo prazo. Numa empresa, os sócios respondem com seu patrimônio pela gestão e esse é o maior incentivo a bons resultados. Há uma globalização do investimento no futebol, e o Brasil está perdendo o bonde da história.” – Pedro Trengrouse, ao Globo Esporte.
Por mais que sejam tratados como ONGs, há quem enxergue de outra forma. Em 2017, Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Ponte Preta foram notificados pela Receita Federal, que cobrou impostos referentes ao período de 2006 a 2010. Mas não foi uma nova regra, e sim uma reinterpretação do órgão. Logo, a isenção continua.
Guarde esse último acontecimento na memória. Ele será importante para mostrar o que vem pela frente nessa sequência de matérias sobre os clubes.
As denúncias viraram pauta nacional
No ano passado, o programa “Fantástico” da TV Globo, surpreendeu o Brasil com uma reportagem denunciando a diretoria do Cruzeiro. Transações irregulares e dívidas milionárias foram anunciadas.
“Hoje o Fantástico fala de um clube que dá muitas alegrias aos torcedores, o Cruzeiro. Mas, o que acontece fora de campo preocupa. O Fantástico teve acesso aos documentos que mostram dívidas de meio bilhão de reais e várias transações irregulares”, anunciou o narrador Gustavo Villani ao fazer uma chamada durante o jogo do Flamengo no Maracanã.
Dentro dessas irregularidades, uma chamou atenção. Estevão William, conhecido como ‘Messinho’, assinou um contrato com o clube aos 12 anos, o que é proibido por lei. A Polícia Civil logo foi investigar as denúncias.
A investigação tratada como a mais grave foi o empréstimo de R$ 2 milhões adquiridos pelo Cruzeiro com o empresário Cristiano Richard dos Santos Machado. Como forma de pagamento da dívida, segundo inquérito da Polícia Civil, o clube incluiu direitos de jogadores do profissional e da base, incluindo o “Messinho”.
Jogadores envolvidos na negociação: David (20%), Cacá (20%), Murilo (7%) e Raniel (5%). Além de outros que passaram pela base e foram negociados, como Gabriel Brazão (20%) e Vitinho (20%).
Um dos culpados foi decretado: Itair Machado, então vice-presidente de futebol. Ele tinha passe livre para fazer contratações sem consultas e participou de todas as irregularidades do clube enquanto esteve nele, inclusive com contas laranjas. Ao sair do Cruzeiro, em outubro do ano passado, ainda deixou mais uma dívida: 2 milhões de reais por sua rescisão.
Sem Itair Machado, mas com Zezé Perrella – na época presidente do Conselho Deliberativo – que em meio a crise, zombou de clubes como Vasco e Portuguesa, dizendo que o Cruzeiro corria riscos de virar um time como eles. Mas acabou recebendo uma resposta digna do alvinegro carioca. No final, o Cruzeiro foi rebaixado e trabalha com a possibilidade de abrir falência. Zezé se desligou do clube.
O futebol carioca como exemplo da mordomia dos cartolas brasileiros
Hoje o Flamengo é um dos times mais ricos do Brasil e joga o futebol mais bonito do país. Foi um time que se reestruturou em 2012 e começou a colher os frutos no final da década. Mas infelizmente, foi o único carioca a conseguir “mudar de vida”. Hoje, o Botafogo está no mesmo caminho, inclusive com ajuda da Ernst & Young, mesma empresa que fez a auditoria do Flamengo no início da mudança. Mas isso não significa que o momento atual é bom. O clube passou boa parte de 2019 devendo meses de salários e direitos de imagem, além de contratempos como o estádio tendo a água cortada por falta de pagamento. E para não deixar passar, o clube tem uma das maiores dívidas do país, em torno de 1BILHÃO.
Depois da votação para a transformação do Botafogo em clube-empresa, alguns votos contrários foram revelados. Como o esperado, de pessoas que não querem largar o osso. Todos os votos contrários foram da mesma família, que ganharam cargos no clube por indicação de um dos membros, que lucrava a cada processo que o clube recebia.
A cara de pau dos dirigentes é tão grande, que mesmo em meio à crise, eles tentam burlar descaradamente as próprias ações. Ao sortear um carro para os torcedores que pagaram ingresso em um determinado jogo, quem levou o prêmio para casa, foi a mulher do Presidente do Conselho Deliberativo do Botafogo, Edson Alves Junior. O pior de tudo, é que nem presente no estádio ela estava. O cartola usou a própria mulher como laranja, mas logo foi pego e teve que devolver o carro e pedir desculpas para a torcida. Fora isso, nenhuma outra punição, é a lavagem de dinheiro que o brasileiro se contentou em naturalizar.
O vizinho Vasco, já representa um pouco mais a sujeira dos cartolas brasileiros. Após mais um mandato ruim do falecido Eurico Miranda, surgiu a esperança de Julio Brant ganhar a disputa presidencial. O que ninguém esperava, era que as eleições fossem fraudadas. Eurico, que nas eleições brasileiras de 1994 seria eleito deputado, retirado após fraude e recolocado pela justiça, participou novamente de um escândalo eleitoral. Ele virou na última urna (votação de cédula) e foi reeleito. Mas com a clara manipulação, a tal urna 7 foi invalidada e uma nova eleição aconteceu. Mais uma surpresa. Alexandre Campello, vice-candidato de Brant, rompeu com o colega e ganhou o apoio de Eurico para vencer a eleição contra seu ex-parceiro. Antes de morrer, Eurico ainda virou Presidente do Conselho Deliberativo do clube.
“A questão é estrutural, não é conjuntural. Clubes organizados como associações sem fins lucrativos, que porventura estejam bem geridos hoje, correm riscos a cada eleição. O próprio Real Madrid sentiu isso na pele quando o Florentino Perez deixou a presidência pela primeira vez e teve que voltar para colocar a casa em ordem.” – Pedro Trengrouse, ao Globo Esporte.
Desordem, fraude e amadorismo resumem nossos clubes. São dirigentes incapacitados que ocupam vagas de profissionais sérios por pura indicação para vencer eleições ou “administrar” em paz. Inclusive, há antigos dirigentes que investem dinheiro nos clubes para salvar a pele dos cartolas atuais, como Carlos Augusto Montenegro, ex-presidente do Botafogo – campeão brasileiro em 1995 – que ajuda a pagar os salários dos jogadores.
“Está na hora de os clubes pararem de viver só de história. Se ficar pensando na tradição, vamos continuar sucumbindo, vivendo de passado e cada vez mais fracos. Ou você resolve, e é uma decisão séria para sobreviver e tentar disputar com dignidade, ou fica como está”. – Montenegro, ao Globo Esporte.
No Fluminense, invés do Presidente Mário Bittencourt se preocupar com a situação do clube, que ano passado também percorreu a temporada devendo salários e lutando contra o rebaixamento, ele reclamou que 4 times rebaixados por ano é muita coisa.
E o papel de inclusão?
No papel de organização sem fins lucrativos, ainda existe ressalvas para se elogiar no que tange a parte social, como acontece no Vasco da Gama. Um time que lutou por causas nobres durante toda a sua história e teve um estádio erguido por sua própria torcida, hoje ajuda a comunidade conhecida como Barreira do Vasco, onde fica localizado o caldeirão vascaíno. É um exemplo que vem servindo de espelho para o próprio clube, que construirá seu CT – com mais uma ajuda da torcida – na região da Cidade de Deus, comunidade do Rio de Janeiro que deve receber mais oportunidades com a chegada da equipe cruz-maltina.
“O clube tem um papel social que o governo não faz, que é de tirar gente da rua. Talvez tenha que ter incentivos por isso, mas todo mundo com finalidade de lucro. Está na hora de falar sério nisso”. – Montenegro, ex-presidente do Botafogo e diretor do IBOPE.
Mas nem sempre isso acontece. Não é novidade que alguns clubes não ligam para o futebol feminino, mas agora, eles são obrigados a terem uma equipe se quiserem jogar competições internacionais no masculino. Entretanto, a lei não vai muito além disso, logo, eles apenas montam equipes. No Sport, zagueira joga como goleira e atacante é dispensada por criticar as condições pífias em que as atletas são submetidas.
O futebol brasileiro vive esse misto de boas e más ações, mas de fato, a gangorra cede mais para o lado ruim, onde o peso dos dirigentes faz com que a imagem de clubes sejam manchadas. Até mesmo quem é bom na parte administrativa, pode ser ruim em outras questões, como os dirigentes do Flamengo por exemplo, que estão há um ano tentando pagar o que querem para as famílias das vítimas do incêndio que matou 20 jovens no CT do clube.
Nosso futebol se parece muito com a política do nosso país. Claro, é o reflexo da nossa sociedade. Mas a semelhança é tanta, que até processo de impeachment rolou. Ano passado, o Conselho Deliberativo do Santos aprovou o processo de José Carlos Peres, atual presidente do clube, mas foi reprovado pelos associados, que mantiveram Peres no poder até dezembro, quando termina seu mandato.
Visto isso, fica um pouco mais fácil de entender a falta de investimento no Brasil. Se os clubes quiserem atrair investidores, eles precisam se profissionalizar antes. Não é preciso sequer pagar as dívidas, mas é preciso ser profissional, como uma empresa séria, e não como políticos se aproveitando de carniça.
Mais de 20 anos depois da Lei Pelé, que tentou transformar os clubes em empresas, voltam-se os olhares para essa discussão. Mesmo que muito distante do ideal, há quem tem se movimentado. Se outros não quiserem, talvez mais para frente, quando começar a dar certo, eles repensem, mas atualmente, tem gente tentando de tudo para que não dê certo.