Jair Ventura. Crédito: Gazeta Press
Entrevistas, Futebol, Futebol Nacional

Jair Ventura esquece polêmicas e se atualiza em busca de novos desafios

Na segunda parte da entrevista com Jair Ventura, o treinador falou sobre as passagens dele por Santos e Corinthians e explicou polêmicas passadas. Entre outros assuntos, contou seus objetivos e o que têm feito durante o período parado para melhorar seu trabalho.


Após anos no Botafogo, Jair Ventura foi para São Paulo. Entretanto, o tempo no Santos e no Corinthians não foram tão longevos, mas serviu para ganhar experiência. No clube praiano, disputou sua segunda Libertadores consecutiva. No Corinthians, chegou a sua primeira final de expressão nacional.

Clique na matéria abaixo para ler a primeira parte da entrevista:

Jair Ventura fala sobre padrões de jogo e revela treinos em sala devido ao calendário brasileiro

Estudando há mais de um ano, Jair pretende retornar ao futebol ainda esse ano, dependendo da pandemia do novo coronavírus. Fique agora com a segunda parte da entrevista com Jair Ventura:

  1. Você trocou o Botafogo pelo Santos em 2018. Entretanto, seu segundo trabalho não durou tanto como o primeiro. O que você acha que não deu certo ou que poderia ter sido melhor?

Realmente, no Botafogo eu tive um ano e meio como eu falei, foram 99 jogos. No Santos, foram 7 meses. Eu vim de um trabalho com dois feitos inéditos como já falamos, e de repente quando você vai para o Santos, as pessoas esperavam outros feitos inéditos. Mas não conseguimos feitos inéditos. Fizemos um trabalho regular. Classificamos em primeiro na Libertadores, quando eu sou demitido eu estava classificado nas oitavas. Classificamos paras as quartas com uma goleada no primeiro jogo, já estávamos classificados para disputar as quartas, ou seja, duas classificações de mata-mata e nós estávamos andando.

No Campeonato Paulista, nós classificamos em primeiro no grupo e saímos nas semifinais nos pênaltis, jogando com quatro atacantes, ganhando o jogo do Palmeiras e saindo nos pênaltis para o então time a ser batido. E no Campeonato Brasileiro a gente acabou sendo demitido no início do Campeonato. Tem até uma fake news que deixamos o Santos na zona do rebaixamento e não. A gente realmente não estava muito bem no brasileiro porque priorizamos o mata-mata. Estávamos em 15° com um jogo a menos em casa. Tranquilamente era uma situação que tem como reverter como nós fizemos no Botafogo. Prioriza o mata-mata para depois focar no Campeonato Brasileiro como todas as equipes fazem, tirando o Flamengo de 2019 que jogou com o mesmo time em praticamente todas as competições.

Mas foi isso que aconteceu. Não foi um trabalho tão curto, pois a média de trabalho de treinador no Brasil são 3 meses, e a gente ficou 7 meses. Tive a infelicidade de perder o Bruno Henrique na minha estreia com oito minutos. Praticamente não jogou comigo, voltou nos últimos jogos e não tive a oportunidade de usar os reforços. O Carlos Sánchez, foi um jogador importantíssimo que eu pedi e acabei não utilizando. Fui demitido antes de utilizá-lo, mas faz parte, foi um aprendizado.

Jair Ventura pelo Santos. Crédito: Marcos Ribolli
Jair Ventura pelo Santos. Crédito: Marcos Ribolli
  1. Uma das questões levantadas, foi o seu estilo de jogo mais reativo, diferente do modelo habitual do Santos. Entretanto, você chegou a jogar com 4 atacantes na equipe praiana. Você acha que seu trabalho costuma ser analisado sem tanto aprofundamento?

“É difícil, mas a consciência fica tranquila, os números mostram o trabalho.”

Se eu falar que foi analisado sem aprofundamento, eu não sei, vai de quem analisa. É difícil, mas a consciência fica tranquila, os números mostram o trabalho. Eu dou sempre um exemplo: a gente pega o trabalho do Vanderlei Luxemburgo de 2019 e vê um time reativo. E no Palmeiras 2020 a gente vê um time propositivo. O Roger Machado teve um time propositivo no Palmeiras, joguei contra, e no Bahia é um time reativo. Você pega um trabalho do Jair, com um time reativo no Botafogo, e um time propositivo no Santos. Nós treinadores, sabemos trabalhar de diversas maneiras.

Só que o meu foi o inverso, e quando você faz uma coisa, as pessoas acham que de repente você só sabe fazer daquela maneira. A gente fez um levantamento agora de todos os gols feitos no Botafogo, e o trabalho reativo fala que você quer reagir né, não quer ter a bola e realmente a gente tinha pouco a bola, com 45% dos jogos. Mas em compensação, só 25% dos gols foram feitos em contra-ataques. Ou seja, a gente tinha sim um forte contra-ataque, mas sabíamos o que fazer com a bola. Tanto que a nossa maior incidência de gols é quando nós tínhamos a bola e a equipe adversária estava em organização defensiva. Mas, de repente alguns jogos ficaram mais marcados que os outros e acabaram sendo generalizados. Mas os números estão aí para mostrar.

  1. Quanto ao jogo reativo, quais são os pilares de um bom sistema reativo?

Para você fazer um jogo de transição, você tem que ter jogadores de velocidade. O nosso Botafogo não tinha esses atacantes de velocidade. Eles não eram tão velozes. Jogávamos com um camisa 9, que era o Roger, e o Pimpão jogava como um segundo atacante. Mas na hora de atacar, a gente fazia um 4-4-2 losango, só que o Bruno Silva fazia praticamente um ponta pelo lado direito e o Pimpão pela esquerda.

Mas é você ter um grupo muito obediente, muito organizado taticamente e explorar a velocidade. Mas existem transições sem ter velocidade. A nossa não era de muita velocidade. A gente não tinha jogadores muito leves, como o Rodrygo, Vinícius Jr e jogadores de drible. Mas nós tínhamos uma transição forte assim como um ataque posicional também. Tanto que o nosso maior número de gols foi quando tínhamos a bola no pé, nem sempre na transição.

Jair Ventura Corinthians. Crédito: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians
Pelo Corinthians, Jair Ventura disputou a final da Copa do Brasil de 2018. Crédito: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians
  1. Depois do Santos, você teve a maior oportunidade de ganhar um título na carreira, dessa vez pelo Corinthians, disputando a final da Copa do Brasil. Contudo, o título não veio e seu trabalho no clube também não durou muito. Como você analisa a confiança depositada em você nesses 3 primeiros trabalhos?

Realmente, o título não veio, era um momento complicado. O Andres deu uma declaração agora, saiu uma matéria falando que o ano de 2018 foi o ano que o Corinthians menos contratou e por conta disso ele contratou muito em 2019. Mas é como a gente falou de oportunidades em 2016. A minha oportunidade de trabalhar em um clube como o Corinthians, lógico que esse eu pensei mais do que a oportunidade no Botafogo, que era a minha primeira, mas eu não me arrependo, foi fantástico vestir a camisa desse clube, último campeão mundial brasileiro, fui o treinador mais jovem no século a trabalhar no time principal do Corinthians e disputei minha primeira final de Copa do Brasil, que é uma competição nacional.

É horrível você perder, é muito ruim, mas disputar uma final, ganhar uma semifinal como foi contra o Flamengo, você colocar R$ 25 milhões na conta do clube e ser um parceiro para o clube, disputando uma final com o Brasil todo te olhando, disputando contra o Mano Menezes, treinador de Seleção Brasileira, enfim, foi uma experiência muito boa.

E a minha avaliação é que eu fiz um trabalho excepcional, até por dois feitos inéditos no Botafogo, e dois trabalhos regulares. Porque hoje a minha maior decepção no futebol brasileiro é um vice-campeonato de Copa do Brasil. É horrível, mas você ser eliminado em uma primeira fase de Copa do Brasil ou de Libertadores e Sul-americana é pior. Então você chegar na final, você deixa 68 clubes para trás. Eu disputei uma semifinal em 2017, com o Botafogo, e uma final em 2018 com o Corinthians.

Então hoje, muito mais experiente em termos de profissional e pessoa, por tudo que eu passei nesses clubes, por esses anos que eu trabalhei. Muito mais pronto do que quando eu assumi em 2016, isso com certeza. Por ter vivenciado tudo isso, duas libertadores consecutivas, final de Copa do Brasil, por ter lançado jovens nos clubes que eu passei, enfim, hoje eu me vejo como um profissional muito melhor e muito mais pronto do que quando eu fiz meus primeiros trabalhos com feitos inéditos em 2016 e 2017.

Jair Ventura no Podcast da PressFut.
Para ouvir a versão da entrevista em podcast, clique na imagem ou acesse: podcast.pressfut.com
  1. Em 2017 você foi alvo de uma polêmica sobre a chegada do Reinaldo Rueda no Brasil. Na ocasião, você pedia condições iguais de trabalho, mas foi interpretado como xenofóbico. Acha que a maneira como você falou interferiu no entendimento ou sua fala foi descontextualizada?

Acho que ficou bem claro que a situação que eu falei era da reciprocidade. Tanto que naquela ocasião, a nossa licença do Brasil, não nos dava o direito de sair para trabalhar no exterior, e hoje ela nos dá. Era uma briga dos treinadores, que a gente vinha cobrando para a gente poder ter a reciprocidade de poder ir trabalhar também fora do nosso país. Aqui não era exigido nenhuma licença para os treinadores estrangeiros, e para a gente trabalhar fora do país era. Era só essa reciprocidade que nós queríamos e hoje nós já temos. Fico feliz, hoje estou formado na Licença Pro, que é o nível maior da CBF Academy, e hoje eu posso trabalhar no exterior. Então que bom que tudo deu certo.

Sobre xenofobia, seria até uma loucura. Minha mãe é filha de polonesa, meu nome é Jair Zaksauskas Ribeiro Ventura e meu avô é português. Então seria estranho se eu tivesse alguma coisa contra estrangeiro como algumas pessoas levantaram, não todas né, quem viu a entrevista viu que não foi esse o meu objetivo. Mas ficou esclarecido, quando eu disse da reciprocidade eu acho que a grande maioria entendeu.

  1. Como você acha que essa questão de treinadores brasileiros nos outros países pode melhorar? Acha que de 2017 para cá, já mudou consideravelmente?

Sim, já melhorou, inclusive como eu falei. A nossa licença hoje já é aceita. Você com a Licença Pro pode trabalhar fora do país, nas grandes ligas também. Assim como é a licença dos argentinos e as outras licenças. A gente conseguiu essa equiparação, então sim, mudou.

  1. Com sobrenome lituano (Zaksauskas), você viveu muito tempo fora do Brasil antes de se tornar técnico. Pensando na carreira de treinador, você pretende trabalhar fora do Brasil? Pretende treinar no grande centro que é o futebol Europeu?

Sempre me perguntaram se eu tinha vontade de sair, de trabalhar na Europa. Quando você trabalha num Botafogo, num Santos e Corinthians, você já está em gigantes do futebol mundial. São 3 gigantes, com histórias lindas no mundo todo, não só no Brasil.

A vontade de trabalhar fora eu tenho, vivi muitos anos fora, morei na Holanda, na Grécia, na França, no Gabão. Hoje eu falo inglês e francês, o que é um facilitador para sair. Enfim, eu tenho vontade sim, mas nada que eu diga “ah, nossa, preciso”, mas tenho vontade. Tenho muitos amigos treinadores que trabalharam e falam muito bem do futebol japonês, de conhecer outras culturas, eu adoro conhecer outras culturas, sempre fui muito bem tratado fora do país. Por isso a situação da xenofobia também, sei o que é morar fora desde os 16 anos quando eu fui para a Holanda. É uma vontade que eu tenho de conhecer novas culturas, poder levar meu trabalho para outros lugares também, mas nada absurdo, tenho vontade sim.

Técnico do Corinthians. Crédito: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians
Jair não continuou no Corinthians para o ano seguinte. Crédito: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians
  1. Com o nascimento de sua filha, você tirou um ano para ficar mais em casa e aproveitar para estudar. Quais são seus planos atuais para voltar a treinar? E o que você acha que mudou nesse período dentro de sua filosofia?

Olha o nascimento de uma filha muda completamente a vida de uma pessoa. Todo mundo fala e a gente não consegue mensurar até você ser. Eu vinha há alguns anos tentando até papai do céu me abençoar em ser pai. Então, como eu vivo 120% o clube, sou um cara que quando estou trabalhando não tenho praticamente vida fora do trabalho, mesmo no cinema ou no restaurante eu estou pensando no trabalho. Então por ser jovem, acho que era o direito de cuidar da minha filha durante um ano, era direito de ver as tendências no mundo como eu parei para estudar muito durante esse tempo.

Tenho o plano de voltar esse ano, pena que aconteceu a pandemia. Mas certeza que se nós não tivéssemos parado, todos os clubes que me procuraram em 2019, eu agora teria aceito. Eu optei por nem escutar as propostas, agradeci, porque era um momento sim para recuperar, o momento de curtir a minha filha, de estudar, e hoje como eu falei anteriormente, eu volto muito mais forte.

Dentro das tendências, a nova regra de poder sair jogando curto dentro da área, enfim, estou acompanhando tudo que tem de novo no futebol para poder fazer. Tenho reuniões semanais com a minha comissão onde a gente vem montando nossos trabalhos, a gente vem aprimorando muitas coisas novas, para a gente levar. Eu não posso ter resultados melhores com os mesmos pensamentos e as mesmas metodologias. Então teve muita coisa bacana para a gente implementar, como eu falei, volto muito mais experiente por essas passagens, e muito mais pronto também por esse tempo que pude ficar fora. Quando você está trabalhando praticamente você só olha o seu time e o seu adversário. Eu tive a oportunidade de ver o futebol no mundo, e volto com certeza muito melhor e muito mais pronto para um próximo desafio.

Entrevista por: Daniel Dutra com participação de Thiago Alves

Daniel Dutra

Jornalista e fundador da PressFut. Também atua no SBT e na Rádio Tupi.
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