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Com raízes indígenas, o Gavião Kyikatejê representa mais do que o nome de sua aldeia. O primeiro time indígena profissional do Brasil é a chance de muitos indígenas disputarem o futebol profissional. Em sua essência, mostra a persistência do cacique do povo do rio acima.
Somos os Baniwa, vivemos no Alto Rio Negro, Amazônia. Andamos pelados. Nosso único esporte é caçar. Não temos pátria nem religião. Comemos com as mãos e cortamos o cabelo sempre igual… Isso, pelo menos, em 1.500. De lá para cá, tudo mudou. E, se mesmo assim, você continua a ser homem branco, por que nós não podemos continuar a ser índio? – Campanha #MenosPreconceitoMaisÍndio, do Instituto Socioambiental: pressfut.com/menos-preconceito-mais-indio
Gavião Kyikatejê Futebol Clube, time que representa a tribo Kyikatejê, que na língua Timbira Oriental, utilizada por eles, significa “povo do rio acima”. O time localiza-se em Bom Jesus do Tocantins, a pouco mais de 450 Km de Belém, capital do Pará. Sua história como se pode notar, advém de origens indígenas, contudo, não é apenas pelo nome.
O time fundado ainda nos anos 80 era conhecido como Castanheira Esporte Clube e disputava o campeonato municipal de Marabá. Entretanto, em 2007, o povo Kyikatejê-gavião adquiriu o clube. Na época, apenas com indígenas na equipe, o então treinador Zeca Gavião, cacique da aldeia Kyikatejê, enxergou a possibilidade de profissionalizar o clube após um título e um vice-campeonato municipal. Foi então em 2009, que o cacique profissionalizou o time, mudando o nome para Gavião Kyikatejê Futebol Clube.
Como primeiro time indígena do Brasil, o Gavião Kyikatejê confiou na qualidade de seus índios para formar uma equipe 100% indígena. O auge do clube veio em 2014, quando disputou a primeira divisão do Campeonato Paraense, se tornando também, o primeiro clube indígena a disputar a elite de um campeonato no Brasil.
Ídolos persistentes
Como já citado acima, Zeca Gavião, cacique da aldeia Kyikatejê, ex-treinador e Presidente, é um dos maiores responsáveis pela existência e profissionalização do clube. Entretanto, outros personagens são tão importantes quanto na história da equipe. Em 2017, a FIFA homenageou o clube e produziu um vídeo contando um pouco de sua história, que você pode ver clicando aqui.
O time contava com índios de diversas tribos e disputava campeonatos amadores. Vi que muitos tinham potencial e arrisquei criar um time profissional. Todos teriam uma chance de jogar assim. – Zeca Gavião ao jornal O Globo.
Entre os que atingiram o status de ídolo, está o atacante Paulo Sompré, conhecido como Aru. Ele era um dos líderes da equipe e a representava como ninguém ao pintar seu corpo antes das partidas. Contudo, o que lhe manteve o status foram os gols marcados. Em 2014 por exemplo, foi o artilheiro da equipe na primeira divisão paraense com 10 gols. Ficou marcado também como o primeiro jogador do Gavião Kyikatejê a fazer um gol na elite, na estreia contra o tradicional Paysandu, onde a equipe acabou perdendo por 2 a 1.
Aru rodou por outros clubes até voltar ao Gavião em 2016, porém, sem o mesmo destaque que o consagrou em 2014. Infelizmente o atacante acabou falecendo em um acidente de carro em 2018, ao ser atingido por um caminhão na BR-222. Ele tinha 31 anos e voltava de Marabá para a aldeia em Bom Jesus do Tocantins.
Como resiste o primeiro time indígena do Brasil?
Como pode-se imaginar, o auge do clube durou pouco, sendo rebaixado da primeira divisão ainda em 2014. De lá para cá, nenhuma outra classificação. Em 2019, o 14º lugar na segunda divisão foi o pior resultado da história do clube desde que se profissionalizou em 2009. Durante o período pós rebaixamento, contratações fizeram o time perder a unanimidade indígena. Em 2015, a equipe chegou a contratar o treinador Everth Palacios, ex-jogador colombiano.
Ainda assim, mesmo com uma maior diversidade na equipe, o povo indígena da aldeia Kyikatejê ainda é majoritário. Desde 2018, a equipe voltou a flertar com 100% de indígenas no clube, tendo poucas ressalvas. Não é questão de se isolar de outros povos, mas de valorizar sua aldeia. Como citado pelo ex-presidente Jakurere Pepkrakte, o clube se orgulha de ser diferente de times como Flamengo, Vasco, Palmeiras e São Paulo, que ao contrário deles, não cobra taxas para os jovens indígenas que querem ter oportunidades de fazer o teste para o time e que, além disso, quando as pessoas chegam, elas são alimentadas, ganham um lugar para ficar e são fornecidas chuteiras para os aspirantes à equipe.
Portanto, hoje o clube vive uma fase pior do que seu rival Águia de Marabá, entretanto, a aldeia se sente representada em um esporte que foi tomado pelos brancos e que, de alguma forma, ainda consegue incluir diversos polos da sociedade. Deixar de existir não é uma opção viável, se mostrar presente ainda que diante das dificuldades, ainda é o melhor caminho. Quem sabe até servindo como inspiração para novos povos.